Pesquisa traz novidades sobre tamanho de antigos parentes dos mamíferos

Na biologia evolutiva, o tamanho corporal exerce uma grande influência em diversos aspectos da vida de um animal, entre eles, a diversificação evolutiva. Por exemplo, se uma linhagem apresenta uma grande amplitude de tamanhos em diferentes espécies, elas podem desempenhar papeis ecológicos distintos e ocupar nichos de forma muito mais diversa que outros tipos de animais.

No campo da paleontologia de vertebrados, esse tipo de abordagem não é novidade, especialmente na tentativa de investigar quais são as mudanças evolutivas no tamanho, suas causas e consequências. Entretanto, o fato de essa variedade de tamanhos ser representada de maneiras diferentes em grupos de animais específicos, incluindo medidas como comprimento corporal, comprimento do crânio, comprimento focinho-ventre e volume, ressalta a necessidade crucial de selecionar uma medida de tamanho significativa e comparável ao realizar estudos desse tipo.

Nesse contexto, a massa corporal surge como uma medida universal e útil, permitindo comparações fáceis entre táxons vivos e extintos. A vantagem da estimativa pela massa corporal é que ela pode ser estimada por meio de diversas medidas esqueléticas, como circunferência femoral ou umeral. Isso possibilita a inclusão de diferentes tipos de espécimes em análises comparativas, desde materiais fósseis incompletos até animais existentes com vários indivíduos para amostragem.

E foi através de uma revisão de massa corporal que uma equipe de pesquisadores brasileiros publicou um novo artigo sobre a disparidade do tamanho corporal nos cinodontes, um grupo de vertebrados que deu origem aos mamíferos. Os cinodontes se destacam não apenas pelo parentesco com os mamíferos (especialmente aqueles chamados de “cinodontes mamaliformes”), mas também pela gama de espécies conhecidas por serem “miniaturizadas” ao longo do tempo geológico – ou seja, conforme avançava o tempo, era consensualmente interpretado que os cinodontes diminuíam de tamanho durante sua evolução, especialmente no intervalo temporal conhecido como Carniano (cerca de 237 milhões de anos atrás).

Aceita-se que a miniaturização, ou a evolução de tamanhos corporais tendendo a sua redução, desempenhou um papel fundamental na origem e evolução das diferentes características mamalianas. Entretanto, apesar de inúmeros estudos explorarem as consequências biomecânicas e fisiológicas devido a essa miniaturização, poucos investigam os processos evolutivos que conduzem a esses tamanhos corporais reduzidos.

E é nesse contexto que a pesquisa brasileira se ressalta. Os autores utilizaram a massa corporal como uma medida universal e de análises filogenéticas comparativas para tentar entender melhor a evolução do tamanho corporal nos cinodontes, com foco na transição cinodonte-mamífero. Na pesquisa, foram estimadas as massas corporais de 29 espécies de cinodontes pertencentes a diferentes linhagens, o que constituiu a maior coleção de estimativas de massa corporal de cinodontes do Triássico conhecida. Essas estimativas foram utilizadas em análises de disparidade ao longo do tempo e, surpreendentemente, os pesquisadores encontraram algo singular: os resultados não sustentam a hipótese da miniaturização para os cinodontes, especialmente para aqueles mais próximos aos mamíferos.

Seleção natural

Embora haja sim uma disparidade no tamanho corporal dos cinodontes e que, de fato, esses animais diminuíram durante o final do Triássico, as taxas de evolução do tamanho corporal foram significativamente mais baixas nos prozostrodontianos, um grupo de cinodontes que está intimamente ligada aos primeiros mamaliaformes, do que em outras linhagens. Na pesquisa, foram observadas que táxons de tamanho médio e grande apresentavam taxas mais elevadas de evolução, indicando que o tamanho estava mudando mais rapidamente nessas linhagens. Já as linhagens que apresentavam tamanhos menores, era devido, provavelmente, a um estado comparativamente primitivo, em Cinodontia, e não algo adquirido como uma “novidade” na evolução do grupo, como se pensava.

Os resultados indicam que a diminuição na variação dos tamanhos corporais dos cinodontes após o Carniano resultou mais da extinção seletiva de táxons de tamanho médio e grande do que de uma redução no tamanho geral da linhagem. Ou seja, as espécies pequenas de cinodontes parecem ter sido menos sensíveis às mudanças climáticas e faunísticas que estavam ocorrendo nesse período do que as espécies maiores, sendo assim um exemplo bastante didático da ação da seleção natural.

Além disso, os cinodontes parecem aderir a padrões macroevolutivos semelhantes aos das linhagens modernas de mamíferos, nos quais há uma tendência predominante de aumento no tamanho corporal, sendo a miniaturização um fenômeno mais raro. Apesar das análises sugerirem que algum fator possa ter imposto restrições aos tamanhos corporais dos cinodontes no Carniano, a redução nas taxas evolutivas detectadas nos Prozostrodontia e seus parentes mais próximos ocorreu, na verdade, antes da imposição dessas limitações ao tamanho corporal.

Essa observação indica que tais restrições constituíram um limite superior súbito para os tamanhos corporais, afetando principalmente táxons de porte médio e grande, enquanto possivelmente não impactaram aqueles que já possuíam dimensões corporais pequenas. Em contrapartida, a miniaturização, muitas vezes encontrada no registro fóssil, representaria uma alteração na direção a tamanhos menores em uma ou mais linhagens, estimulando o aumento das taxas evolutivas e, consequentemente, resultando em reduções no tamanho corporal nesses clados.

Por fim, essa disparidade do tamanho corporal dos cinodontes após o Carniano provavelmente resultou da extinção seletiva de táxons de porte médio e grande e não uma redução no tamanho geral da linhagem. Diante das transformações profundas nas últimas décadas, impulsionadas por novos fósseis, é muito provável que estudos futuros não apenas ampliarão esses resultados, mas também fornecerão novos dados importantes sobre a evolução do tamanho corporal dos cinodontes – e, consequentemente, um melhor entendimento de como pode ter sido a evolução dos mamíferos mais primitivos.

Referência

• Kaiuca, JFL et al. (2024), Weighing in on miniaturization: New body mass estimates for
  Triassic eucynodonts and analyses of body size evolution during the cynodont‐mammal
  transition.The Anatomical Record – Wiley Online Library

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