Pesquisa revisa solturas de animais silvestres

Uma das questões mais importantes quando pensamos em soltura de animais é se os indivíduos soltos irão ou não sobreviver no ambiente em que foram liberados.

Partindo do princípio de que os animais liberados estejam saudáveis, são vários os fatores que contribuem para o sucesso de uma soltura. A aptidão para soltura de cada indivíduo é diretamente proporcional à capacidade do indivíduo obter alimento, evitar os predadores e se reproduzir.

Mas, afinal, o que realmente significa dizer que uma soltura foi bem sucedida? Quão arbitrárias são essas estimativas?

Nesse sentido, um artigo científico publicado recentemente investigou 1.074 publicações científicas tratando da soltura de animais, seja como reintrodução, quando a espécie solta está extinta localmente, seja como transposição de indivíduos em áreas já habitadas pela espécie. O maior mérito do artigo é fazer uma extensa revisão, não só das definições ligadas à soltura de animais, em especial avifauna, mas também das técnicas de manejo ex-situ que podem aumentar em muito a chance de sobrevivência da espécie-alvo de uma soltura.

Vejamos: de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), solturas são definidas como ações deliberadas de reintroduções de animais de um local para o outro, porém com o específico propósito de conservação da biodiversidade, nesse caso, recebendo o nome técnico de “translocações conservacionistas”, sendo inclusive um campo específico de pesquisa científica desde os anos 1970, ligado à Biologia da Conservação.

Então se soltura é uma coisa séria, quais seriam as técnicas a serem utilizadas nos eventos de soltura que poderiam contribuir para o efetivo sucesso destas ações?

Os autores do artigo apontam que, devido à falta de controle das condições de soltura, pequeno número de animais soltos e a dificuldade de monitoramento pós soltura, há uma tendência de que os técnicos que conduzam solturas baseiem-se em dados não consistentes nem comparáveis entre si, gerando definições arbitrárias para sucesso dos eventos de soltura bem como uma superestimativa para a taxa de indivíduos sobreviventes. No entanto, o artigo aponta que é possível identificar os fatores chave que afetam a sobrevivência dos indivíduos para o estabelecimento de populações e suas taxas de reprodução após uma translocação: hábitat adequado e de boa qualidade, número de animais liberados, taxa de predação, condicionamento pré-soltura e estresse.

Um campo de pesquisa científica ligado à translocação conservacionista é o estudo do uso de metodologias de condicionamento comportamental como uma ferramenta para a conservação da biodiversidade com a finalidade de aumentar as chances de adaptação dos animais soltos.

Apesar da importância e do escopo do uso de técnicas de condicionamento comportamental ativas e passivas nos animais destinados à soltura, tais como aumento na habilidade de evitar predadores, forragear de forma mais eficiente e interagir de forma mais natural com seus pares, seu uso ainda é pouco disseminado, conforme aponta a revisão de literatura do artigo.

O condicionamento comportamental ativo implica no efetivo treinamento dos animais e a forma mais corriqueira é o trabalho para aversão à predadores. Inclusive o artigo mostra que dadas as diferentes técnicas usadas nesse treinamento, nem sempre os resultados são comparáveis entre si, portanto nem sempre fica clara a influência deste parâmetro na sobrevivência pós soltura, além de serem treinamentos custosos, que podem acarretar danos aos animais que se pretende soltar.

Já o condicionamento comportamental passivo é também conhecido como enriquecimento ambiental que pode utilizar desde recintos que recriem o ambiente natural da espécie, viveiros de adaptação na área em que se pretende soltar os animais, até tratadores disfarçados para evitar o surgimento de comportamentos mal adaptados à soltura em áreas naturais. Em especial a introdução dos elementos naturais da dieta do animal que se pretende soltar são muito importantes para o sucesso das solturas.

Os autores prosseguem listando e definindo o que são as outras variáveis que podem afetar o desempenho dos animais após a soltura:

– presença ou não de populações naturais da espécie no local onde se pretende a soltura, uma vez que a presença de indivíduos da mesma espécie aumenta as chances de sobrevivência dos animais introduzidos;

– idade dos indivíduos e tempo de manutenção em cativeiro, uma vez que animais jovens ou mantidos por menor tempo em cativeiro tem mais chances de sobrevivência;

– suplementação de alimento no período pós soltura, uma vez que facilita a adaptação dos animais ao local de soltura;

– número de indivíduos soltos (número muito pequeno de indivíduos não só afeta a genética como a persistência da população da espécie no local escolhido);

– manejo no pós-soltura, incluindo preservação e restauração do hábitat, remoção de espécies invasoras e ações de translocação em áreas protegidas que tenham controle de caça ilegal e ações de educação ambiental.

O trabalho prossegue apontando que um elemento chave na realização de qualquer soltura é a utilização de estratégias que diminuam a dispersão dos indivíduos soltos, para isso a utilização de técnicas de condicionamento, bem como a avaliação das outras variáveis envolvidas no processo são fundamentais para a fixação dos indivíduos na área pretendida para soltura. De fato, os autores recomendam que a combinação de processo de aclimatação no local de soltura combinado com manejo da área (mediante monitoramento) e suplementação alimentar são essenciais para diminuírem o efeito de dispersão dos animais e aumentarem a chance de sucesso no reforço ou no estabelecimento de populações de uma espécie.

Os autores inclusive apontam que a suplementação alimentar prolongada é fundamental para o estabelecimento de populações do grupo dos papagaios. Outro aspecto interessante destacado por eles sobre a suplementação alimentar é que, se feita com alimentos naturalmente consumidos pela espécie, no caso da avifauna em particular, há até uma melhora na morfologia do trato digestivo, promovendo mais saúde para os animais.

Outro aspecto apontado pelo artigo é que a ação de soltura não acaba com a liberação dos animais, mas o monitoramento a longo prazo é fundamental, especialmente quando consideramos o crescimento da população da espécie alvo, identificando as áreas de conectividade para expansão da população, enriquecimento e recomposição florestal e até mesmo questões como o aquecimento global interferindo no regime climático na área de soltura.

Bem completo esse artigo, não é mesmo?

Enquanto isso aqui no Brasil, quem discute soltura não são os técnicos que fazem soltura, mas as redes sociais como naquele caso da capivara. O episódio todo só demonstra o tamanho da problemática da fauna silvestre brasileira, seja na falta de combate ao tráfico, seja na falta de estrutura dos órgãos ambientais e até mesmo pela falta de vontade política e entrosamento entre os diferentes atores, criando a bizarra situação em que os poucos animais que são resgatados e sobrevivem, tem que passar por todo o tipo de sofrimento tanto sendo mantidos indefinidamente em recintos inadequados como sendo soltos de qualquer jeito! Não está fácil.

Em tempo, acaba de ser publicado um outro artigo anunciando a criação de uma ferramenta aberta para monitoramento em tempo real utilizando o número e a velocidade de visualizações de páginas sobre animais na Wikipedia. O objetivo da plataforma é criar um círculo virtuoso no seguinte sentido: a plataforma detecta um aumento no interesse do público para uma espécie, os atores envolvidos com a conservação desta espécie utilizam a informação para alavancar os objetivos de conservação da espécie, entidades ligadas à conservação da espécie se mobilizam para captação de recursos para projetos, comunicadores e técnicos apresentam as razões da importância da conservação e as ameaças que sofre a espécie e, por fim, os agentes públicos promovem ações de políticas públicas para a conservação da espécie. Ou seja, um ganha-ganha.

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