Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
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Em novembro de 2020, o estudante Yan Lima, da Universidade Católica de Santos, no estado de São Paulo, observou e fotografou um percevejo [1]. O inseto estava em um ingazeiro (Inga sp.), planta da família Fabaceae (ordem Fabales) e cujo fruto, o ingá, é bastante utilizado na chamada medicina caseira, sendo útil no tratamento popular da bronquite [2]. Tratava-se de uma ninfa no quarto estádio de desenvolvimento. O estudante submeteu seu registro ao site iNaturalist [3], projeto de ciência cidadã em que são compartilhadas fotografias e observações com o objetivo de construir e mapear a biodiversidade mundial. Em fevereiro de 2021, uma ninfa de quinto estádio foi encontrada na mesma árvore da anterior e, criada em laboratório, atingiu o estágio adulto. A planta hospedeira fica a cerca de 200 metros do Porto de Santos [4], um dos maiores e mais movimentados do Brasil.
Em abril de 2021, foi publicada no iNaturalist [5] a fotografia de um percevejo adulto, procedente de local próximo aos registros anteriores. Dois outros registros, datados de abril e maio de 2021, também na região de Santos [4], constam no “Insetos do Brasil” [6], grupo de Facebook que foi mencionado em nosso último artigo de 2021 [7]. Com isso, o pesquisador Ricardo Brugnera, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, publicou [4], juntamente com Yan Lima e demais pesquisadores colaboradores, o registro formal da ocorrência estabelecida do “yellow-spotted stink bug”, Erthesina fullo (Thunberg, 1783) (ordem Hemiptera, família Pentatomidae) no Brasil.
Supostamente, o bichinho teria chegado aqui de navio, à semelhança do que já mencionamos ter ocorrido com outros insetos invasores [8]. Só que, ao contrário do relatado sobre o mosquito Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) (ordem Diptera, família Culicidae), o besouro Lagria villosa (Fabricius, 1781) (ordem Coleoptera, família Tenebrionidae) e a efemérida Cloeon smaeleni Lestage, 1924 (ordem Ephemeroptera, família Baetidae), três espécies procedentes da África, o percevejo em questão é de origem asiática.
Erthesina fullo vem preocupando as autoridades sanitárias por ser uma espécie polífaga (ou seja, se alimenta de diferentes grupos de plantas), ter tendência ao espalhamento e possibilidade de colonização em novos territórios. Recentemente foi registrada na Europa e na Nova Zelândia, por exemplo. No Japão, na China e em outros países da Ásia, onde o percevejo tem ocorrência natural, a espécie é considerada um risco para a agricultura [1].
Percevejos da família Pentatomidae se alimentam da seiva e demais sucos dos vegetais, caracterizando-se ainda por emitirem um odor fétido. Segundo a pesquisa de Brugnera e colaboradores [4], a família inclui algumas espécies danosas em termos econômicos, o que pode ser potencializado por sua facilidade de estabelecimento em ambientes não nativos, além do hábito alimentar polífago e da elevada capacidade de sobrevivência em condições climáticas desfavoráveis. Um caso de introdução de Pentatomidae já bastante consolidado no Brasil é o de Nezara viridula Linnaeus, 1758. Popularmente conhecidos como maria-fedida, fede-fede, percevejo-verde e percevejo-da-soja, dentre outros nomes comuns, esses insetos de origem africana [9] causam danos à soja, ao girassol e a outras culturas [10].
Regiões portuárias costumam representar mais risco como vias de entrada de novas pragas, sendo, por isso, alvo de inspeção rotineira por parte das autoridades sanitárias. Assim, segundo o noticiado, o Ministério da Agricultura já vem monitorando de perto a situação de Erthesina fullo [11]. Segundo os especialistas, a vigilância sobre o recém-chegado percevejo é extremamente importante, na esperança de se evitar o espalhamento, algo muito difícil e até, me arrisco a dizer, improvável. Um vídeo do grupo Observações Naturalistas [12], equipe que presta importante serviço de divulgação científica nas redes sociais, incentiva que, dentro do melhor espírito da ciência cidadã, quem se deparar com o percevejo deve, se possível, tirar fotos e divulgar, enviando para o iNaturalist ou mesmo postando nas redes sociais. No vídeo, há um tutorial de como se cadastrar no iNaturalist e subir suas fotos. (Já vou abrir minha conta, vai que me deparo com bichinho…)
Ainda sobre o vídeo do Observações Naturalistas, há lá uma dica que eu considero preciosa: caso você encontre um percevejo que julgue ser o invasor, não o mate, pois pode se tratar de alguma espécie nativa assemelhada. A propósito, é bom sempre deixar claro que, assim como qualquer outro inseto ou ser vivo em geral, as ditas “pragas” não são vilões perversos que devem ser exterminados. Em um país que usa tamanha quantidade de agrotóxicos [13] e destrói tanto seus recursos naturais [14], fica claro que o verdadeiro inimigo, por aqui, é outro.
[1] https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2021/08/21/especie-asiatica-de-percevejo-comilao-chega-ao-brasil-e-acende-alerta.htm.
[2] https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/inga.htm.
[3] https://www.inaturalist.org.
[4] Brugnera, R.; Lima, Y.; Grazia, J. & Schwertner, C.F. 2021. Occurrence of the yellow‑spotted stink bug Erthesina fullo (Thunberg) (Hemiptera: Pentatomidae) in Brazil, a polyphagous species from Asia. Neotropical Entomology Nov 18. doi: 10.1007/s13744-021-00924-9. Epub ahead of print. PMID: 34792760.
[5] https://www.inaturalist.org/observations/73412688.
[6] https://www.facebook.com/groups/596371067129886.
[7] https://faunanews.com.br/2021/12/15/retrospectiva-2021-e-2020-insetos-no-facebook.
[8] https://faunanews.com.br/2020/06/17/o-mosquito-o-besouro-e-a-efemerida-que-vieram-da-africa.
[9] https://www.pragas.com.vc/guia-rapido-17-nezara-viridula.
[10] https://www.agrolink.com.br/problemas/percevejo-verde_39.html.
[11] https://www.atribuna.com.br/noticias/tribunalab/ministerio-da-agricultura-investiga-novo-inseto-asiatico-em-santos.
[12] https://www.youtube.com/watch?v=IrqjoXB2824.
[13] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57209799#:~:text=Somente%20em%202020%2C%20o%20Brasil,compila%20esses%20dados%20desde%202000.
[14] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59341478.
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