Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e pesquisadora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF), ambos da UFRGS.
Rodovias são responsáveis por fragmentar hábitats ao cortarem diversos tipos de ambiente e influenciarem os fluxos biológicos, desde os movimentos de animais e plantas até os fluxos de matéria e energia. Já abordamos a importância e como a avaliação da conectividade precisa melhorar em projetos rodoviários. Porém, quando falamos de redução de conectividade por estradas a maioria das pessoas pensa em animais terrestres.
Mas será que rodovias também podem ser barreiras para animais aquáticos?
A resposta é sim.
A rede de rodovias se sobrepõe à rede hidrográfica e os cursos d`água são cortados em diversos pontos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, um trabalho estimou que existem mais de 78 mil cruzamentos entre rios e estradas (em uma área de 281.189 km2). Nesses cruzamentos, são instaladas estruturas de engenharia para manter o fluxo de água, como pontes e bueiros. Os bueiros podem afetar a largura e a velocidade da água e alterar o fluxo de sedimentos.
A presença de bueiros pode impactar negativamente os peixes, reduzindo ou até eliminando o movimento rio acima ou rio abaixo. A maioria dos estudos sobre os efeitos de estradas no movimento de peixes foi realizada com espécies de peixes migratórias e de maior tamanho corporal, como os salmonídeos na América do Norte. Esses peixes migratórios se reproduzem nas cabeceiras dos rios, depois descem rio abaixo em direção ao oceano, e retornam às cabeceiras para se reproduzir. Porém, em muitos casos essa migração é impedida pela presença de estradas com bueiros que não permitem ou não facilitam o movimento desses animais.
Mas será que rodovias também podem impactar o movimento de espécies não migratórias?
Em um estudo publicado recentemente, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul estudaram os movimentos de um peixe não migratório típico de riachos do sul da Mata Atlântica, o cascudo Rineloricaria aequalicuspis. Eles dividiram um trecho de rio em seis seções de 10 metros, três imediatamente abaixo de um cruzamento com uma estrada e três imediatamente acima. Os peixes de cada seção foram capturados com puçá, fotografados e soltos na mesma seção em que foram capturados. Durante 17 meses, os pesquisadores reamostraram as mesmas seções do rio e recapturaram 178 indivíduos (16.3% do total de indivíduos capturados).
Utilizando modelos populacionais multiestado, os pesquisadores encontraram que a probabilidade de movimento entre as seções de rio separadas pelos bueiros era menor do que entre as seções de rio livre. Isso significa que a presença dos bueiros prejudicou o movimento dos cascudos, uma vez que esses peixes se movimentaram 5,5 vezes mais nas seções livres rio acima e 2,5 vezes a mais nas seções livres rio abaixo do que cruzando os bueiros. A variável que mais influenciou o movimento pelos bueiros foi a profundidade da água: a probabilidade de travessia pelos bueiros diminuiu muito quando a profundidade da água no bueiro era menor do que 30 centímetros.
Esses resultados são preocupantes porque demonstram que mesmo para uma espécie de pequeno tamanho corporal não migratória e bentônica, a presença de bueiros pode ser uma barreira ao movimento. Ou seja, mesmo espécies que se movimentam apenas localmente, que utilizam o fundo do rio e são menos dependentes da coluna d’água para esse movimento têm o deslocamento impactado pela presença de estradas. Como os cruzamentos entre estradas e riachos são inúmeros, esses efeitos podem se acumular e afetar as populações e comunidades aquáticas como um todo.
Para diminuir esses impactos, é importante que as avaliações de impacto ambiental considerem o efeito de cruzamentos de estradas e riachos também em espécies de menor tamanho e mobilidade. As características dos bueiros propostos nesses cruzamentos devem considerar diferentes comportamentos e morfologias de peixes. O planejamento ou adaptação de bueiros para que tenham uma profundidade mínima de água e para que a velocidade da água do riacho não seja alterada podem ser medidas importantes para a manutenção ou recuperação do movimento de diferentes espécies de peixes impactadas por estradas.
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Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e pesquisadora do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF), ambos da UFRGS.
