Casal que há mais de 30 anos viaja até os lugares mais remotos do Brasil para fotografar a natureza. São adeptos da ciência cidadã, ou seja, do registro e fornecimento de dados e informações para a geração de conhecimento científico
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O objetivo de nossa viagem ao Japão era visitar os pais de nossa nora, que moram em Hirosaki, e conhecer o país onde nosso filho morou durante cinco anos. O planejamento foi feito para estarmos na região de Aomori no período da florada das cerejeiras (Sakura), que é um dos maiores espetáculos que já observamos na natureza. Enquanto nosso filho fazia todo o planejamento da viagem – cidades, parques, templos, santuários, pontos turísticos –, nós pesquisávamos quais espécies de aves japonesas poderíamos registrar e onde podíamos passarinhar.
A magia da florada das cerejeiras – Sakura
A cidade de Hirosaki, que fica no norte do Japão, foi nossa primeira parada. Ela tem um grande parque que na época Sakura é visitado por japoneses de várias regiões e por turistas de todo o mundo. Mesmo tendo visto muitas fotos e lido bastante sobre o fenômeno, ficamos encantados quando chegamos no parque. As cerejeiras estavam totalmente floridas e suas copas se juntavam criando um enorme buque suspenso de flores. Outro espetáculo eram os rios que cruzavam o parque e ficavam com suas águas forradas de pétalas de cerejeiras, formando um verdadeiro tapete de flores.
A Sakura é um evento que atrai as famílias que, além de passear pelo parque, se sentam sob as arvores, fazem piquenique e lá permanecem até o anoitecer – festejando essa grande arte da natureza. Quando vão embora, não deixam nenhum lixo no local e o parque fica pronto para receber os novos turistas no dia seguinte.
No parque alguns eventos culturais são bem interessantes e um show à parte para os turistas.
Nosso primeiro grande encontro não poderia ter sido melhor
Estávamos passeando às margens de um rio no parque de Hirosaki, quando vimos um pato pousando lentamente na água exatamente em nossa frente. Não podíamos acreditar no que estávamos vendo: era o pato-mandarim, uma das mais belas aves do mundo, que ali estava e parecia ter nos presenteado com sua presença. Ficou flutuando lentamente no rio, exibindo suas formas e cores únicas para muitas fotos. Foi o único avistamento da espécie durante toda nossa viagem.
Passarinhar no centro de uma megacidade
Estávamos indo de ônibus para conhecer um templo na cidade de Quioto, quando passamos em uma ponte no centro da cidade e vimos muitas aves aquáticas no rio sob essa ponte. Imediatamente marcamos o local no Google Maps e voltamos após nossa visita.
Ficamos pouco tempo no templo e muitas horas nas margens desse rio. Era tudo muito diferente do que estamos acostumados. O rio tinha margens gramadas e largas e muitas pessoas lá estavam; algumas sentadas lendo livros, casais com crianças, casais de namorados e nós fotografando as aves e observando esse belo cenário de lazer que deveria ser o normal em todos os lugares.
O rio cruzava o centro da grande cidade de Quioto e, para nossa surpresa, a água era limpa, muito limpa, diríamos até cristalina, sem qualquer odor.
Foram muitos bons registros de diversas espécies, sendo algumas com ocorrência no Brasil, como a garça-branca-pequena-europeia, a garça-moura-europeia e um grande gavião milhafre-preto, que fazia voos rasantes no rio a procura de alguma presa.
https://youtu.be/aeldOsNbwfM
Relaxando em água quente
Um dos passeios interessantes foi no Jardim Botânico Tropical, na cidade de Hakodate. Além de diversas plantas tropicais abrigadas em uma enorme estufa, no local existe uma fonte com águas termais que é visitada por grupos de macacos-da-neve (Macaca fuscata) que vêm das montanhas próximas para se aquecer e relaxar – são a principal atração dos turistas. São dezenas de macacos que se dividem em pequenos grupos nas águas e, além de relaxar, ficam tirando parasitas da cabeça um do outro. De vez em quando acontece algum desentendimento entre eles e se inicia uma verdadeira briga, com muita gritaria, violência e um corre-corre danado até os ânimos se acalmarem.
O universo conspirando em nosso favor
Durante nossa pesquisa sobre as aves do Japão, nos encantamos com uma ave que nos chamou a atenção e passou a ser um dos objetivos para registro; Se trata do Japanese White-eye (Zosterops japonicus), um pequeno pássaro amarelo e branco com um círculo branco em volta dos olhos.
Quando estávamos visitando e passarinhando no parque de Hirosaki, avistamos um senhor que também estava observando e fotografando aves – um passarinheiro japonês. Aos poucos fomos nos aproximando e ele, muito gentilmente, começou a conversar conosco. A comunicação foi um pouco difícil, mas nada que não pudesse ser resolvida com imagens e algumas palavras em inglês. Ele mostrou, em sua máquina, os pássaros que tinha fotografado e de repente vimos a foto do Japanese White-eye. Antes de falarmos qualquer coisa, nos disse que aquela era uma espécie difícil de ser fotografada na região.
Já em Quioto, fomos conhecer o templo do Pavilhão Dourado (Kinkaku-Ji), que fica em uma área com muito verde. Logo na chegada, é possível visualizá-lo todo em um espelho d’agua, rodeado por um jardim lindíssimo – uma harmonia perfeita. Já cansados após longa caminhada pelo local, nos deparamos com um salão tradicional de chá. Foi um achado – entramos para descansar e saborear o tal chá.
O salão tinha mesas bem baixinhas e tínhamos que nos sentar no chão. Escolhemos uma que ficava de frente para o jardim e para uma pequena fonte d’agua. Uma linda japonesa, vestindo um quimono veio em nossa direção com passos bem lentos para nos atender. No salão, o silêncio era apenas quebrado pelo som d’agua que jorrava lentamente da fonte do jardim.
Estávamos olhando para a fonte e, de repente, o tão esperado Japanese White-eye (Zosterops japonicus) pousou nela e começou a se banhar. Não podíamos crer! Parecia que ele tinha pousado ali para nós. Era o universo conspirando a nosso favor.
A Susana não teve dúvidas e, com extrema rapidez, pegou a câmera fotográfica e começou a tirar fotos. O silêncio do salão foi interrompido pelos crac, crac, crac das fotos e, quando nos demos conta, percebemos que todas as outras pessoas estavam olhando para nós. Não nos restou outra ação senão parar as fotos e baixar nossas cabeças como sinal de desculpas – tivemos a impressão de que eles entenderam.
Sentimos que, naquele momento, os deuses que habitam o templo tinham enviado aquele presente maravilhoso para nós. Como poderíamos deixar de fazer as fotos?!
São momentos como esse, de pura magia, que fazem você crer que os anjos estão ao seu lado.
Gratificante experiência
O desafio final para nós foi identificar todas as espécies fotografadas através de livros e dos sites especializados. Foi um grande aprendizado.
Conhecer o Japão e praticar a observação de aves nos locais visitados foi muito interessante e, embora tenhamos registrado apenas cerca de 50 espécies, vivemos experiências gratificantes que ficaram registradas em nossa memória.
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