Agente de Polícia Federal no Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph) do Rio de Janeiro
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Ao longo de 16 anos como agente de Polícia Federal, em que sempre procurei me dedicar ao combate dos crimes ambientais, em especial o tráfico de animais silvestres, são inúmeros os trabalhos em que pássaros silvestres foram fiscalizados e apreendidos. Foram ações nas mais diversas situações, em casos com a participação somente de policiais federais ou com fiscais do Ibama, policiais militares e equipes de secretarias estaduais. E pasmem, somente em uma oportunidade o passarinheiro fiscalizado estava com tudo correto – porém, nessa fiscalização, não verificamos a autenticidade e integridade das anilhas (do ponto de vista da falsificação), somente verificamos a numeração, que estava correta e batia com o plantel do criador.
As experiências foram muitas e me permitiram constatar que os pássaros silvestres das criações amadoristas de passeriformes são quase todos oriundos de origem criminosa; do tráfico de animais silvestres. São animais que foram capturados de seus hábitats, arrancados pelas mãos humanas das florestas ou de áreas urbanas com vegetação.
Infelizmente, pela falta de conhecimento, pela ignorância, pelo descaso, pelos infindáveis cabides de emprego, a maldade de capturar um pássaro na natureza e a manutenção de pássaros em gaiolas ainda é relativamente normalizada. Digo “relativamente” pois devo reconhecer que muitas pessoas odeiam essa prática, que considero uma conduta de maus-tratos permanente ao pássaro aprisionado.
Não precisa ser muito inteligente para fazer uma comparação com as prisões em que a pessoa, quando comete uma conduta criminosa, no Brasil, perde a liberdade como punição. O criminoso fica em uma gaiola para humanos. Por todas as minhas experiências de vida, carrego a seguinte tese em relação a parâmetros de evolução do Brasil como nação: enquanto for permitido ter pássaro em gaiola e acharmos normal jogar lixo no chão, nunca seremos um país evoluído.
A tese que venho aqui colocar precisa da exposição contextualizada acima, pois ela surgiu depois de muito trabalho, de muitas decepções, vivendo e vendo o desrespeito a que os animais silvestres são submetidos, elaborando relatórios policiais, estudando decisões judiciais, peças ministeriais e legislações. Vamos a ela.
Maus-tratos na captura
Todo pássaro capturado da natureza está em situação permanente de maus-tratos. O sofrimento do animal já começa na captura: é só procurarem na internet os diversos vídeos em que os animais são pegos nos alçapões, entrando em pânico, se debatendo, em um comportamento de desespero em que procuram a liberdade que foi simplesmente roubada pelo egocentrismo humano. Toda pessoa flagrada com pássaro ilegal comete crime de manter o animal em maus-tratos.
O ato da captura também é um ato de maus-tratos, pois leva o animal ao sofrimento. A captura e a manutenção do espécime, além de estarem previstos no artigo 29 da Lei nº 9.605/1998, estão também no artigo 32 da mesma lei (maus-tratos). Com uma mesma conduta se cometem dois crimes. Capturar é maltratar e manter aprisionado também o é. Não concordo com o princípio da especialidade (a não aplicabilidade da lei geral para casos especiais, como para a criação legalizada de pássaros).
Espero que evoluamos em nossas jurisprudências.
Até a próxima.
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