Passarinho, que som é esse? Gravadores autônomos em pesquisas sobre aves

No programa infantil de televisão da década de 1990 Castelo Rá-Tim-Bum, os personagens João-de-barro e as Patativas eram três passarinhos que viviam na árvore da cobra Celeste. A cada episódio, o joão-de-barro (Furnarius rufus) tocava um tipo de instrumento e suas amigas patativas (Sporophila plumbea) o adivinham pelo som emitido.

Desde nossa infância, associamos sons a objetos e pessoas… como o som do caminhar dos nossos pais, que identificamos a quilômetros de distância antes de levar uma bronca. Por meio dessas associações também descrevemos e nomeamos os seres do planeta, como o bem-te-vi, que parece cantarolar a frase ao se comunicar. Então, por que não utilizar os sons das paisagens como método de amostragem em pesquisas científicas?

Utilização de sons na amostragem científica

Hoje, sabemos que, através dos sons das paisagens, conseguimos averiguar padrões de biodiversidade, como a riqueza (número de espécies), a abundância (número de indivíduos de uma determinada espécie) e a diversidade (riqueza e abundância) de uma comunidade. Foi assim que no artigo científico, cujo título em tradução livre é “Previsão da diversidade de aves por meio de índices acústicos dentro do hotspot de biodiversidade da Mata Atlântica”, Lucas Gaspar e um grupo de pesquisadores utilizaram índices acústicos para entender o poder da identificação de espécies de aves no conhecimento de uma paisagem.

Ao gravar os sons do ambiente, conseguimos uma alta cobertura amostral, com enorme quantidade de dados, já que os equipamentos captam sons biológicos (como as vocalizações das aves e anfíbios), sons não-biológicos (como a correnteza de um rio) e sons antrópicos (como ruído de motores). Para tal problema, os índices acústicos (IA) são a solução. Basicamente, os IAs são ferramentas automatizadas que favorecem a leitura de quantidades massivas de dados, podendo responder várias perguntas ecológicas simultaneamente.

O estudo foi realizado em uma região pertencente à Pesquisa Ecológica de Longa Duração no Corredor Cantareira-Mantiqueira – São Paulo (PELD-CCM). Focalmente, em regiões de pasto, agricultura e floresta. A análise em áreas de diferentes usos de solo explica um dos objetivos dos autores: o de analisar a variabilidade dos índices acústicos em diferentes paisagens.

Dentro do projeto PELD-CCM, muitas outras pesquisas já utilizam o som como modelo de captação de informações. Gaspar e seus colegas preferiram utilizar o gravador autônomo Song Meter 3, muito utilizado em pesquisas de longa duração. Basicamente, esses gravadores são programados para captarem todo o som ao seu redor num determinado tempo e horários do dia e/ou noite e, após alguns dias, o pesquisador vai a campo retirar as gravações captadas e trocar as baterias. Esse tipo de técnica tem sido cada vez mais utilizada em pesquisas ecológicas, pois com os gravadores conseguimos incríveis banco de sons, obtemos gravações de horários mais difíceis de se ir a campo e tiramos o efeito do amostrador, ou seja, as espécies não se sentem intimidadas para cantar porque tem alguém as observando.

No trabalho do Gaspar e seus colegas, eles conseguiram acumular mais de 294 horas de gravações, o equivalente a quase 12 dias e meio ininterruptos! Para a análise desses aproximados meio mês de dados, o uso de índices autônomos (IAs) foi imprescindível.

Entretanto, a interpretação não para por aí. Além de comprovada a efetividade de um método amostral de baixo custo e alta cobertura taxonômica, com os IAs conseguimos entender como os humanos afetam a biodiversidade, as funções e os serviços ecossistêmicos. Os resultados permitem contribuir na condução e direcionamento de políticas e projetos públicos que visam a sustentabilidade e a conservação.

Os resultados obtidos ressaltam a importância do uso combinado de dois índices para a caracterização da comunidade de aves na Mata Atlântica, bem como a importância da seleção de uma faixa de frequência de interesse, para reduzirmos a influência de outros tipos de sons nas análises”, diz Lucas Gaspar, principal autor do estudo.

Podemos dizer: a ciência brasileira entrou na era do Big Data! Mas os observadores de aves e a expertise dos ornitólogos ainda são essenciais para analisar e conhecer as espécies.

Bora passarinhar?

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