Por Tietta Pivatto
Bióloga, especialista em Ecologia e em Ecoturismo e mestra em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Consultora e instrutora de cursos sobre turismo de observação de vida selvagem e observação de aves. Autora de livros, mantém o blog Tietta Pivatto e A Loja dos Passarinhos
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Todo observador de aves sabe: não há nada melhor do que levantar cedinho e ir pro mato, pro parque ou pra qualquer outro lugar para fotografar ou observar passarinho. As viagens, então, para lugares novos e cheios de lifers (aquela espécie vista pela primeira vez) são puro prazer e aprendizado.
Mas nem sempre é possível viajar ou passar o dia todo fora. Seja devido ao trabalho, ao estudo, a uma doença repentina, ao clima ruim ou à falta de grana mesmo, de vez em quando é preciso limitar a observação a poucas horas, nas proximidades de casa. Nesse caso, vale mesmo olhar pela janela para ter ótimas surpresas, como contei em meu blog.
E em tempos de pandemia de Covid-19, quando não dá nem para ir até a praça passarinhar?
Sugiro aqui algumas alternativas que, embora sem o cheiro do mato ou o barro na bota, também podem ser muito prazerosas.
Organizar suas fotografias
Tenho certeza de que, assim como eu, a maioria dos observadores de aves brasileiros fazem algumas (ou muitas) fotos de passarinho em campo. E poucos as organizam de maneira adequada. Ou seja, quando precisa da imagem de determinada espécie, passa vários minutos tentando achar a pasta onde ela foi salva. Então, aproveite os dias em casa para organizar suas imagens.
Existem alguns programas e aplicativos que facilitam esse trabalho, mas, para começar, que tal abrir cada pasta e começar a deletar todas as imagens desnecessárias (repetidas, sem foco, que você não sabe por que tirou, etc.)? Assim libera espaço e tem menos fotos para organizar. Crie um sistema para nomear cada foto e separe em pastas que façam sentido para você. Pode ser por família, gênero, espécie ou mesmo lugar, ano em que foi tirada. O importante é que a referência seja rastreável depois. Pode ser até que encontre novas fotos para colocar no seu perfil do Wikiaves, eBird, Biofaces, iNaturalist ou outra plataforma que você utilize. Tenho certeza que abrir pastas de fotografias vai te fazer viajar novamente, trazendo à memória as boas lembranças daquela determinada viagem.
Ah, isso vale também para fotos de filme ou slide: que tal selecionar fotos antigas, escanear e organizar digitalmente?
Organizar suas gravações de cantos de aves
Alguns observadores gravam todos os cantos que escutam em campo, outros apenas aqueles que chamam sua atenção pela beleza ou porque precisam ser identificados depois. Com o tempo, são dezenas, até centenas de gravações que, muitas vezes, acabam ficando no celular ou no gravador. Às vezes, nem lembramos mais onde e quando foram feitas.
Passe todas elas para seu computador e faça o mesmo processo das fotografias, ou seja, elimine as que não estiverem boas, separe as gravações em pastas que façam sentido para você, crie um sistema de nomes que facilite a busca e, claro, salve suas gravações em sites e aplicativos que possam ser compartilhados on-line, como os já citados no item anterior.
Relembrar gravações é tão empolgante quanto ver fotografias, pois a memória auditiva é única. Se as gravações reproduzirem paisagens sonoras, você poderá até ser “teletransportado” para o local. E claro, se as gravações estão em fitas cassetes ou outras mídias antigas, certifique-se de que ainda consegue resgatá-las ou procure um técnico que possa fazer esse trabalho. Depois, é só arquivar digitalmente.
Organizar suas listas de aves
Atualmente, aplicativos como eBird, Táxeus e IGoTerra facilitam muito a vida de quem gosta de fazer listas das espécies observadas durante uma passarinhada, mas para muitos dos veteranos como eu, esse registro era (e ainda é!) feito nas tradicionais cadernetas de campo e em listas impressas, onde controlávamos os registros. Muitas dessas anotações estão perdidas nessas cadernetas, poucas devem ter se transformado em listas acessíveis ou mesmo artigos científicos.
Ao resgatar esses dados, você pode contribuir com a ciência cidadã, descobrir informações que já havia esquecido e até identificar espécies que não conhecia na época. E, assim como na organização de imagens, certamente fará uma nova viagem nas memórias de cada página. A organização pode ser feita em planilhas do Excel, Access, Word ou diretamente nos sites e aplicativos citados. O importante é você nomear e guardar em pastas de forma que consiga encontrá-las depois.
Organizar seus livros de aves
Todo observador tem, pelo menos, uma pequena biblioteca com livros, guias de campo e outras referências ornitológicas ou de ecoturismo. Qualquer lançamento de livro e lá estamos nós, na fila do autógrafo. Alguns acabam sujos e manchados de tanto uso, outros foram abertos apenas no momento da aquisição, mas lá estão eles em nossa coleção.
Que tal retirar todos da prateleira e reorganizá-los, abrir cada um para rever seu conteúdo, fotos, ilustrações, dedicatória do autor? Ou repensar a forma de guardá-los, facilitando sua busca, ou ainda separar alguns que podem ser doados a outros observadores ou mesmo bibliotecas públicas e programas de educação ambiental? Esse trabalho vai lhe transportar para as páginas dos livros: aqueles que mostram lugares que você não conhece vão despertar a vontade de conhecê-los; aqueles lugares já conhecidos reavivarão boas lembranças… Os de ficção, biografias ou contos vão lhe fazer viajar nas histórias contadas.
Se leitura e passarinho já são coisas boas separadas, imagina quando juntamos os dois?
Viajar pela Internet
Sabe aquela lista de indicações de aplicativos e sites que você adicionou no seu Favoritos, mas nunca teve tempo de olhar? Esse é o melhor momento. Abra os links, verifique o que cada um tem de interessante: artigos, matérias, álbum de fotos, dicas de novos destinos para observar aves, contatos de amigos de outras cidades, estados, países, dicas de observação, gravação e fotografia de aves, comunidades de observadores e fotógrafos nas redes sociais… Dá para ficar o dia todo só navegando de um link para outro, aprendendo sobre as aves e as atividades, conhecendo lugares, fazendo mais planos.
Um exemplo muito interessante é o site Ornithos, em que câmeras ficam conectadas diariamente em comedouros, podendo observar as aves em tempo real. Tem muitos outros sites na Internet assim. É só procurar!
Desenhar ou pintar suas aves favoritas
Nem todo mundo tem prazer na ilustração, mas para quem, como eu, adora desenhar, as horas passam de maneira muito agradável quando se está desenhando. Existem muitos sites e comunidades sobre ilustração de aves, em alguns é até possível fazer cursos.
Desenhar é sempre uma terapia para quem aprecia essa atividade. Também vale escrever poesia, contos, relatos no blog, qualquer prazer escrito que lhe faça reviver bons momentos observando aves.
Que tal uma passarinhada virtual pelo Google Street View (GSV)?
O grupo Google Street View Birding, criado por Nicholas Lund, é um sucesso na rede. Basicamente, os participantes “viajam” pelos caminhos do GSV, procurando por flagrantes de aves ao longo das ruas fotografas no programa. Toda nova espécie encontrada por um participante é adicionada ao banco de dados do grupo, que já tem 890 espécies observadas no mundo todo.
Para o Brasil, são pelo menos 18 registros. Então essa é uma passarinhada original e com muito potencial para quem gosta de viajar virtualmente. Dá para passar horas entre uma região e outra garimpando passarinho dessa forma.
Ou procurar espécies em um jogo de videogame?
Essa é a proposta de alguns observadores de aves no jogo Red Dead Redemption 2, que transporta o jogador para o velho oeste norte-americano de 1889. São 48 espécies para serem encontradas, além de outros animais e plantas.
Organizar seu equipamento de campo
O tempo livre em casa pode ser uma boa oportunidade para rever, limpar e organizar a “tralha de campo”. Tirar poeira das lentes, lavar aquela bota que já está cheirando mal, jogar meias velhas fora e colocar novas na lista de compras, costurar a mochila, separar pilhas e baterias velhas para depois levar aos postos de recolhimento, finalmente escolher aquelas camisetas velhas para doação ou reciclagem, etc. Aquelas coisas que sempre deixamos para depois e que vão se acumulando…
Montar, ou melhorar, o comedouro
Muitas pessoas já têm um comedouro em casa ou no apartamento, mas nem sempre têm tempo para limpá-lo mais cuidadosamente ou consertar algo que esteja precisando de manutenção. Aproveite para fazer esses reparos ou, caso ainda não tenha um (e queira e tenha onde), que tal aproveitar para fazer o seu?
Existem boas dicas em vários sites, tanto sobre a construção quanto sobre a forma de colocar os alimentos, limpeza e, claro, como torná-lo um bom ponto para suas fotografias. Quanto mais favorecermos o ambiente urbano para as aves, mais próximas elas estarão de nós.
Falar sobre observação de aves
Uma boa ideia é aproveitar o tempo livre e contar para filhos, sobrinhos, vizinhos e outras pessoas de suas relações ou vizinhança o quanto é legal passarinhar – seja por telefone ou pela internet quando essas pessoas não moram com a gente. Mostrar fotografias, gravações, livros, convidar para olhar através do binóculo, enfim, despertar o interesse em pessoas não praticantes. Quanto mais pessoas encantadas com as aves, maior a chance de se preocuparem com a conservação delas e de seus ambientes.
Bate-papo com amigos passarinheiros
Acredito que todo observador e fotógrafo de aves participa de pelo menos um grupo ou comunidade virtual, onde troca informações com seus colegas. Esse é um tempo bom para compartilhar experiências e tirar algumas dúvidas, planejar aquela viagem ou mesmo combinar o próximo encontro de bate-papo na vida real após o fim das restrições impostas pela pandemia. Afinal, por mais que todas essas atividades sejam prazerosas, nada substitui a experiência em campo. Então, assim que as condições permitirem, vamos chamar os amigos e combinar mais uma passarinhada real!
Artigo originalmente publicado no blog Tietta Pivatto e adaptado para os tempos da pandemia.
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