Casal que há mais de 30 anos viaja até os lugares mais remotos do Brasil para fotografar aves. São adeptos da ciência cidadã, ou seja, do registro e fornecimento de dados e informações para a geração de conhecimento científico
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Era maio de 2016 e a Região Metropolitana de São Paulo passava por uma das mais severas crises hídricas de sua história. Nesse clima de seca, fomos fazer uma passarinhada na Reserva da Vale, em Linhares, no Espírito Santo, com o guia Justianiano Magnago, que veio a se tornar nosso amigo.
Como sempre, planejamos tudo com os cuidados que uma boa passarinhada merece – roupas adequadas, perneiras, repelentes, protetor solar, etc. Fizemos nossa lista de lifers (espécies desejadas de serem encontradas pela primeira vez) e o nosso maior desejo era registrar a harpia, que tinha vários registros no local. E lá fomos nós.
Desembarcamos no aeroporto de Vitória (ES) e o Justiniano já nos aguardava com toda gentiliza e simpatia. De lá, já fomos direto para a Estação Biológica Marinha Augusto Ruschi a na cidade de Aracruz, onde também fomos muito bem recebidos pelo Gabriel Ruschi. Ficamos umas duas horas nos deliciando em fotografar as várias espécies de beija-flores do local.
Pé na estrada e, em pouco mais de uma hora, chegávamos na cidade de Linhares, na linda e poderosa reserva da Vale, em uma área de 21.787 hectares de pura Mata Atlântica.
A reserva da Vale possui uma pousada logo na sua entrada com chales, restaurante e grande área gramada. Logo na sequência, se inicia a mata, com diversas estreitas estradas para acesso. A pousada é muito linda – quartos amplos, arejados e muito limpos. A comida muito boa, desde o café da manhã até o jantar. Tanto as acomodações quanto a alimentação muito superiores a diversos lugares que já fomos passarinhar.
Fugimos da seca de São Paulo e fomos cair em uma das piores secas do Espírito Santo – estava há mais de um ano sem chover. Os grandes gramados da área da pousada, que deveriam ser verde, estavam com a cor predominante marrom e, conforme pisávamos, a grama estalava de tão seca – muito triste.
Partíamos logo cedo para nossas passarinhadas, mas devido à grande seca, os pássaros quase não apareciam, mesmo com playback.
Nas estradas da reserva da Vale, encontramos muitas árvores caídas, interrompendo nosso caminho – nessas horas a Su, como uma dama (rsrs), observava e filmava o duro trabalho do Justiniano e do Wagner, que se encarregavam de desbloquear a estrada. Algumas vezes, essas arvores caídas, interromperam nossa volta de corujadas em uma escuridão total, sendo até necessário o uso de motosserra – uma boa aventura.
De qualquer forma, íamos fazendo os registros das aves graças ao grande empenho do Justiniano.
Em um dos dias, quando estávamos percorrendo uma das estradas da reserva, vimos um rapinante cruzar a estrada em um voo relativamente baixo – tudo rápido demais. Paramos o carro, não saímos e através da janela vimos por uma brechinha o indivíduo pousado. Fizemos mais de 30 cliques, mas ficamos na dúvida sobre a espécie fotografada – seria um gavião-bombachinha? Não demos muita importância para o registro.
A harpia, que era nosso principal desejo, não apareceu!
Ficamos quatro dias na reserva da Vale – que passarinhada bacana, lugar maravilhoso, pousada linda e um excelente guia. Voltamos para São Paulo e publicamos as fotos da Susana no WikiAves – tudo normal. Quando o Wagner começou a publicar as fotos dele, percebemos um agito nas redes sociais e aí veio a grande surpresa: alguns biólogos perceberam que o rapinante que publicamos como um gavião-bombachinha, aquele que cruzou a estrada, era na verdade um tanatau (foto no alto da página).
O tanatau é um rapinante que até então tinha registro fotográfico somente no bioma da Amazônia, sendo considerado até extinto na Mata Atlântica!
Foi muito gratificante e um presente ter feito esse importante registro e colaborar com a ciência cidadã. O ornitólogo Willian Menq, que tem grande dedicação ao estudo das aves de rapina, publicou um artigo bem interessante sobre essa descoberta: “Falcão-tanatau (Micrastur mirandollei) é redescoberto na Mata Atlântica”.
Foram quatro dias que nos trouxeram muitas emoções, tanto durante as passarinhadas quanto depois, com a grata surpresa. Com certeza, iremos voltar e, quem sabe, dessa vez registrar a harpia, que ainda continua na nossa lista de desejos.
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