
Por Larissa Oliveira Gonçalves
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisadora colaborada do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Coincidentemente, há exatos três anos, eu escrevi um artigo aqui discutindo o que sabíamos em relação à possibilidade de as passagens de fauna serem armadilhas para presas, isto é, se haveria mais predação nas passagens do que em outros ambientes fora delas. De fato, agora, há mais evidência sobre possíveis interações entre predadores e presas dentro de passagens de fauna, o que não significa que a hipótese de passagens como armadilhas tenha sido corroborada.
Um estudo feito nos Estados Unidos e publicado no fim de 2019 identificou que as interações predador-presa foram um dos principais fatores que afetaram o uso das passagens por diferentes espécies. Por exemplo: os resultados mostraram que veados (as presas) evitaram utilizar passagens usadas por pumas (os predadores), enquanto o uso das passagens pelos pumas seguia o mesmo padrão temporal dos veados. Um outro exemplo de interação de predadores com presas foi que coiotes (os predadores) utilizaram mais passagens que também eram utilizadas por roedores e lebres (as presas). O trabalho sugere que o efeito dessas interações deve ser monitorado para que espécies de presas não deixem de utilizar as passagens por causa da presença dos predadores.
Uma outra pesquisa, publicada mês passado, avaliou a ocorrência de 15 pares de predadores e presas em passagens de fauna na Espanha. A ideia era semelhante ao do estudo anterior: ver se predadores usavam mais as passagens quando essas estavam sendo usadas por presas ou, ainda, se as presas evitavam usar as passagens quando elas estavam sendo usadas pelos predadores. O estudo encontrou que essas ocorrências de presas e predadores não aconteciam independentemente. A ocorrência de presas e predadores nas passagens foi diferente do acaso em 20% dos pares avaliados e, em 67% desses casos, havia coocorrência espaço-temporal, ou seja, presas e predadores usavam a mesma passagem no mesmo dia.
Esses dois estudos utilizaram análises bastante robustas para avaliação da coocorrência das espécies de presas e predadores e avaliaram tanto a ocorrência no espaço (na utilização das mesmas passagens) como no tempo (a utilização nos mesmos momentos). A última pesquisa faz, ainda, duas recomendações para reduzir os riscos de encontros entre predadores e presas e evitar que passagens de fauna se tornem armadilhas para presas: instalar passagens com maior largura e incluir elementos que possam servir de refúgios para as presas dentro das passagens.
Os estudos mostram que predadores utilizam as passagens usadas por presas e que presas evitam as mesmas passagens usadas por predadores. Entretanto, não sabemos se há mais predação dentro das passagens do que em outros ambientes. Não haveria necessidade de reduzir os encontros de predadores e presas dentro das passagens sem antes encontrarmos evidência de que esse encontro é maior dentro das passagens do que fora delas. Essa evidência ainda não encontrei. Talvez daqui a uns anos, eu escreva novamente sobre isso.
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