Por Andreas Kindel¹ e Fernanda Zimmermann Teixeira²
¹Biólogo, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
²Bióloga, mestra e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
transportes@faunanews.com.br
Como garantir travessias seguras e reduzir o número de fatalidades nas estradas tem sido um tema recorrente nesta coluna. Em grande medida, a busca por soluções, para os diferentes grupos-alvo de espécies, é uma sucessão de tentativa-avaliação-reformulação-reavaliação.
Nosso tema hoje é um recente artigo que publicamos relatando os sucessos e indicações de possíveis ou necessários avanços de um sistema de mitigação de fatalidades de fauna implantado na ES-060, rodovia costeira estadual concedida à Rodosol, no Espírito Santo. O estudo de caso revela surpresas e reforça algumas lições importantes.
Em um determinado segmento da rodovia aconteciam frequentes atropelamentos de saguis-de-cara-branca (Callithrix geoffroyi) e buscou-se então uma solução que permitisse a esses primatas atravessar a rodovia em segurança. O segmento estava em um corte de relevo, com mais de 70 metros de largura, separando duas formações arbóreas remanescentes (floresta de restinga e manguezal). Após algumas tentativas frustradas de modelos de pontes de dossel, dada a extensão do vão a ser transposto, as condições climáticas com ventos intensos e frequentes e os recursos escassos disponíveis, foi implantada uma passagem formada por um cabo de aço.
Instalada a estrutura, o desafio era monitorar o seu uso. Armadilhas fotográficas eram dispendiosas e a região de implantação apresentava riscos de furto. Como solução, adotou-se uma estratégia criativa: foi fixada no próprio cabo uma caixa de areia que permitia a impressão das pegadas dos eventuais usuários (foto no alto da página). Foi dessa forma que se descobriu que os saguis pouco usaram a estrutura, mas os ouriços-cacheiros (Coendou insidiosus) sim.
https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2022/06/ourico_vieo_cabo-aco_rodosol.mp4
Ouriço-cacheiro utilizando cabo para travessia – Vídeo: Sinhá Laurinha
Essa não foi a única surpresa. Na mesma rodovia e em segmentos próximos, foram monitorados, também com estações de pegadas, bueiros e passagens secas que poderiam ser usadas pela fauna para travessia da rodovia. E lá estavam os saguis, que utilizaram esse deslocamento no solo por essas estruturas mais do que o cabo de aço. Ou seja, uma evidência adicional que passagens inferiores também podem ser funcionais para primatas. Eventualmente, caso enriquecidas com cordas que ligam a passagem ao ambiente florestal do entorno, essa pode ser uma estratégia de adaptação de estruturas já existentes em locais de atropelamento desses animais arborícolas.
O que não foi surpresa é que, mesmo com as estruturas de travessia, as fatalidades desses animais arborícolas continuaram acontecendo nesses trechos mitigados. Travessias não minimizam fatalidades ou as reduzem muito pouco. Para isso são necessárias cercas bloqueadoras e, no caso dessa rodovia, em alguns trechos específicos, cercas desenhadas para bloquear o acesso das espécies-alvo à estrada são urgentes. Mas esse resultado revela também um novo desafio: como impedir que animais arborícolas acessem a estrada e sejam direcionados para travessias seguras?
Nosso artigo adicionou ao leque de soluções de mitigação e monitoramento de uso de travessias essas novas alternativas discutidas acima, que podem ser interessantes em alguns contextos. Além disso, revelou a necessidade de importantes adequações no sistema de mitigação implantado e um desafio com implicações interessantes para várias regiões tropicais. O mais gratificante é que foi elaborado através de uma cooperação entre uma OSCIP (Sinhá Laurinha) e uma universidade (Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, NERF-UFRGS) através de um contrato da concessionária (Rodosol) com a primeira instituição.
– Leia outros artigos da coluna FAUNA E TRANSPORTES
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)