Parcerias de sucesso para garantir o retorno de animais a seus hábitats

Quem trabalha com animais silvestres sabe das inúmeras dificuldades enfrentadas: ausência de políticas públicas, falta de recursos financeiros, tráfico com pouca fiscalização, sem falar das burocracias que, muitas vezes, as instituições sofrem na espera de recebimento e destinação de animais. Infelizmente, na maioria das vezes as necessidades dos animais não correspondem ao tempo de resposta dos órgãos responsáveis pelas decisões a serem tomadas.

Mas quero contar dois casos ocorridos este ano, em que as parcerias com a Àrea de Soltura Monitorada (AMS) Cambaquara, de Ilhabela (SP), deram muito certo, com apoio do Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura de São Paulo; do Gefau, o Sistema Integrado de Gestão de Fauna Silvestre do Estado de São Paulo – interligado ao Sistema Integrado de Gestão Ambienta (Sigam), e do Departamento de Fauna da Secretaria de Meio Ambiente e Infraestrutura e Logística de São Paulo (Semil).

O gavião

Em fevereiro de 2024, fomos procurados por um munícipe em Ilhabela com um filhote de gavião-carijó (Rupornis magnirostris). A ave havia caído do ninho, que, por ser alto, era difícil de ser alcançado para devolver o animal. Como a ASM Cambaquara não atende rapinantes, pedimos auxílio do Cemacas para que essa reabilitação pudesse ser feita da melhor maneira possível, com cuidados na alimentação e treinos de voos e caça.

Quando encaminhamos o gavião para o Cemacas, combinamos de repatriá-lo em Ilhabela no final do processo de reabilitação, para que ele fosse solto em seu local de origem. A ave passou por uma quarentena rigorosa na Base da Gripe Aviária em São Paulo e recebeu todos os cuidados sanitários. A veterinária que cuidava dele e adorava rapinantes desconfiou que não fosse um gavião-carijó e sim um gavião-bombachinha (Harpagus diodon). E ela estava certa! Uma espécie mais rara que, com certeza, deveria voltar para seu hábitat origem. Após a quarentena, ele finalmente foi para o Cemacas e passou por todas as etapas, sendo nutrido corretamente, recebendo treinos de voos e aprendendo a caçar presas vivas. Estava pronto para voltar para casa!

Foi feita a solicitação da autorização de transporte para a transferência ao Departamento de Fauna da Semil, via Gefau. Foram solicitados alguns exames dentro dos protocolos sanitários e, em apenas uma semana, a licença saiu. Fomos buscá-lo para o levar novamente para Ilhabela.

O gavião foi solto no Sítio Ciribai, próximo da portaria da Estrada Parque de Ilhabela, que vai para a praia de Castelhanos. Convidamos várias pessoas para presenciar a soltura, com um café da manhã.  O ave jovem voou lindamente e teve a sua segunda chance graças a esse trabalho de colaboração e agilidade das instituições parceiras.

O papagaio-chauá

Outro caso, mais recente, também aconteceu em Ilhabela. A ASM Cambaquara foi procurada por um morador que gostaria de fazer uma denúncia de um papagaio na gaiola do vizinho. Quando essa pessoa me mandou a foto da ave, vi que era um papagaio-chauá (Amazona rhodocorytha). Sabendo da importância da espécie quanto ao seu status de extinção e que está incluído no Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Papagaios, fomos atrás de mais informações. Soubemos que o papagaio era da mãe de uma pessoa conhecida nossa. Então, fui procurar essa pessoa para explicar sobre essa espécie e o convidei a fazer a entrega voluntária. A família concordou em entregar e ficaram felizes de saber que ele iria para um programa de conservação.

Mais uma vez o Cemacas acolheu o indivíduo, que também irá passar por todos os protocolos sanitários e depois será encaminhado para reabilitação e soltura. Caso ele não tenha condições de retornar à natureza, irá para um programa de reprodução da espécie.

Quando fui pesquisar a área de ocorrência do papagaio-chauá, vi que é muito restrita: de Alagoas ao Rio de Janeiro, leste de Minas Gerais. Animais da espécie vivem em matas altas, como as encontradas em serras do mar e baixadas. A parte da história que eu soube deste indivíduo é que ele tem mais de 15 anos e estava junto com o irmão em condições de maus-tratos na cidade de Matão (SP) e um veterinário os pegou, entregando o mais manso deles para essa senhora, que depois se mudou para Ilhabela. Agora, finalmente, através do Cemacas, ele irá ser repatriado para seu local de origem.

São histórias como estas que nos fazem acreditar que, apesar de todas as dificuldades no trabalho com fauna silvestre, quando há comunicação, integração, cooperação e, fundamentalmente, agilidade, os resultados são satisfatórios para contribuir com a conservação dos ambientes naturais.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).