Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Estamos no verão e além do calor e das chuvas, as aves migratórias estão em alta. Muitas espécies nas regiões Sul e Sudeste do Brasil voltaram na primavera para se reproduzir e, agora, estão fechando mais um ciclo, se preparando para partir. E as perguntas que mais me fazem nessa época são “essa ave é migratória?” e “para onde ela vai?”
Essas são curiosidades que envolvem as pessoas há séculos!
O fato de as aves aparecerem uma determinada época do ano e desaparecerem em outra foi um mistério durantes muito tempo. Foram criadas diversas hipóteses (ou lendas) para decifrar para onde elas vão quando somem. Na época da escola medieval, diziam que os gansos se transformavam em cracas e renasciam na primavera; no século 16, escritos de Olaus Magnus diziam que as andorinhas se enterravam na argila do fundo dos lagos congelados durante o inverno e Charles Morton (1703) afirmava que as aves iam para a Lua durante o inverno e por isso sumiam nessa época.
O segredo do sumiço das aves só foi revelado no século 19, em 1822, quando na Europa encontraram uma cegonha com uma flecha originaria de uma tribo da África situada a cerca de três mil quilômetros.
Neste vídeo, faço esse histórico.
https://www.youtube.com/watch?v=5ZDCmeQ39_Q
Marcações de aves
Mas claro que a marcação das aves com flexas não era muito confortável para elas, mesmo sabendo que elas sobreviviam. E dizem que outras 25 cegonhas sobreviveram com a flexa no pescoço. Então, no século 19, começou-se a marcar as aves com anilhas (anéis de metal numerados). Mais recentemente surgiram o geolocalizador e o GPS, que são acoplados nas costas dos animais como mochilas e ajudam a entendermos muito mais sobre as rotas migratórias.
E então vem a pergunta: para onde vão as aves quando migram?
No Brasil, são quase 200 espécies que são mencionadas como migratórias. Algumas fazem movimentos entre América do Norte e América do Sul, outras entre países da América do Sul e há algumas que migram somente dentro do Brasil. No entanto, o conhecimento que temos sobre as rotas migratórias aqui no país é muito pequeno e restrito a poucas espécies.
Para algumas poucas aves nós temos informações mais precisas sobre suas rotas migratórias, ou seja, sabemos para onde vão e de onde vêm todos os anos. Isso é possível graças às novas tecnologias. A evolução e a minimização dos aparelhos de geolocalização permitiram que espécies pequenas pudessem receber aparelhos que informam com precisão para onde vão. Mas devido aos altos custos, esses aparelhos são ainda pouco usados por aqui.
Quero trazer aqui informações sobre algumas espécies com rotas conhecidas:
– As tesourinhas (Tyrannus savana) saem da região Sudeste do Brasil e viajam quilômetros para a Colômbia, numa viagem que leva de sete a 12 semanas. Diferentemente do que vemos por aqui durante o período reprodutivo (agosto a fevereiro), na Colômbia, área de repouso reprodutivo das tesourinhas, elas se juntam em grandes grupos. Na Amazônia brasileira, já durante a migração, é possível ver grupos de milhares de tesourinhas voando para o seu destino. Eu já presenciei em Manaus um desses shows da natureza.
– Os bem-te-vis-rajados (Myiodynastes maculatus) também saem da região Sudeste e vão para o Norte, ficando na Amazônia brasileira. Enquanto no Sudeste essas aves podem ser encontradas em áreas mais urbanizadas, lá, durante o período de repouso reprodutivo, elas preferem a mata densa da floresta, ficando mais distantes das pessoas ou de áreas urbanas.
– O gavião-caramujeiro (Rostrhamus sociabilis), uma espécie que pode ser encontrada em quase todo o Brasil, também é migratória. Foram marcados com GPS no Sul-Sudeste do país dez indivíduos, os quais foram monitorados por dois anos. Eles saíram da região de captura e foram parar na Amazônia brasileira. Diferentemente das espécies citadas anteriormente, que para obter os dados da rota migratória foi necessário recapturar a ave e baixar os dados dos minis dispositivos de cerca de um grama, para o gavião-caramujeiro foi possível utilizar um tipo de aparelho GPS que transmite as informações em tempo real via satélite, sem a necessidade de recapturá-los, devido ao seu tamanho e peso.
Se você é observador de aves e mora na região Sudeste, fique atento no céu nos meses de janeiro e fevereiro, pois um aparente grupo de urubus voando pode ser, na verdade, esses gaviões se juntando e preparando a partida. Eu já presenciei esses grupos por duas vezes, na cidade de São Paulo (SP) e em Itajubá (MG), e achei incrível.
– Gavião-tesoura (Elanoides forficatus) é um gavião de fácil identificação, uma vez que sua cauda em formato de tesoura dá para ser observada durante o voo. Alguns indivíduos da espécie foram monitorados por anos. Eles saíram da América do Norte, atravessaram o golfo do México e águas do Caribe até chegarem ao Brasil, numa viagem de cerca de oito mil quilômetros. Ao contrário das anteriores, essas aves se reproduzem na América do Norte e vêm passar o período não reprodutivo por aqui. Essa rota conhecida para a espécie inclui apenas algumas regiões do Norte do Brasil, pois a população que encontramos no Sudeste ainda não foi monitorada para sabermos a rota.
Um fator interessante e comum dessas espécies é que a Amazônia parece ser um refúgio importante para elas. Muitas se reproduzem no Sudeste do Brasil e acabam tendo parte do seu ciclo de vida anual dependente dessa nossa floresta rica e impressionante.
– Temos também algumas espécies de aves de praia, as chamadas aves limícolas, que migram da América do Norte para “passar as férias” (período não reprodutivo) por aqui. Alguns exemplos: maçarico-acanelado (Calidris subruficolis) e o maçarico-de-papo-vermelho (Calidris canutus), que saem da América do Norte e vão até o Sul do Brasil;
– Temos aves noturnas também, como o bacurau-norte-americano (Chordeiles minor) e o urutau (Nyctibius griseus), sendo o primeiro vindo da América do Norte e o segundo migrando dentro do Brasil.
O urutau, assim como o gavião-bombachinha (Harpagus diodon), é uma espécie que a ciência cidadã (os observadores de aves contribuindo com a Ciência) ajudou para o conhecimento da rota. A observação de aves é, inclusive, uma das fontes mais potentes para estudarmos as aves migratórias. Então, não deixe de registrar as aves para conhecermos mais sobre a migração e outros comportamentos delas.
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