Por Raul Rennó Braga
Biólogo, mestre e doutor em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisador colaborador do Laboratório de Análise e Síntese em Biodiversidade (LASB-UFPR). Atua principalmente com pesquisas relacionadas a ictiologia e a invasões biológicas.
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Um corpo considerável de evidências científicas indica que a atmosfera da Terra está esquentando principalmente devido a certas atividades humanas que liberam gases de efeito estufa, como metano e gás carbônico. Dentre as atividades, se destacam a queima de combustíveis fósseis, a agricultura, e o desmatamento.
Apesar de já ter ocorrido na história do planeta outros períodos de aquecimento e resfriamento, nunca aconteceu em uma taxa tão acelerada como a atual. Com esse processo de aquecimento da atmosfera, devem ocorrer mudanças nos padrões de chuvas, de correntes oceânicas, na frequência e intensidade de eventos extremos de secas, cheias, furacões, dentre outras alterações. Essas alterações, em seu conjunto, são então chamadas de mudanças (ou alterações) climáticas globais.
Uma grande preocupação em relação às consequências das alterações climáticas é a extinção prematura das espécies. Quando pensamos em aquecimento da atmosfera e suas consequências para a biodiversidade, logo as relacionamos com organismos terrestres, que intuitivamente parecem serem os principais afetados por um ar mais quente. No entanto, as alterações climáticas podem ser uma das maiores ameaças para os peixes de água doce no mundo todo.
O aumento da temperatura atmosférica leva a um aquecimento da água, além de influenciar o regime de chuvas e, por consequência, impactar o fluxo de água dos rios. Com isso, por exemplo, rios perenes podem passar a ser intermitentes e os peixes que não estão adaptados a um período de seca serão afetados. Além disso, mais chuvas fortes acabam por aumentar o escoamento que leva poluentes e nutrientes para os cursos d’água. Percebemos que os impactos ambientais não atuam isoladamente e, muitas vezes, podem até ser sinérgicos. Não podemos esquecer que outros fatores também mudam com o aumento da temperatura. Por exemplo, os níveis de oxigênio caem e as algas crescem.
Assim como o aquecimento, eventos de rápido declínio de temperatura podem ocorrer. Em 2010, uma queda abrupta de temperatura levou a uma grande mortalidade de peixes na Amazônia. Os rios amazônicos, e toda sua biota aquática por consequência, podem ser bastante afetados também por sofrer influência do derretimento de geleiras dos Andes durante o verão. Na porção oriental da cordilheira, nascem riachos que, à medida que correm para leste, ganham volume e originam rios como o Madeira e o Solimões. Com invernos mais amenos e formação menor de gelo, o aporte de água desses rios tende a diminuir.
Os peixes, por serem ectotérmicos, ou seja, necessitam de fontes externas de calor para a manutenção da sua temperatura corpórea, são diretamente afetados pela temperatura do ambiente. Um aumento da temperatura da água significa um aumento da temperatura do corpo desses organismos.
Outro problema é que à medida que as águas dos rios, riachos e lagos se aquecem, os peixes procuram águas mais frias em latitudes ou elevações mais altas ou, quando possível, em maiores profundidades. Mas existem limitações para o quão longe ao norte ou alto em altitude os peixes podem se deslocar. Os peixes de rios e riachos não conseguem se deslocar para outras bacias hidrográficas para buscar temperaturas mais amenas e compatíveis com suas adaptações fisiológicas. Mesmo dentro da mesma bacia hidrográfica, o deslocamento dos peixes para porções mais frias, para “escapar” das águas aquecidas, pode ser dificultada pela presença de barragens, em mais um caso em que diferentes impactos antrópicos se somam.
Um importante estudo publicado na revista científica Nature Communications avaliou os impactos do aumento da temperatura da água em mais de 11.500 espécies de peixes de água doce. Os autores simularam diferentes cenários de aumentos de temperatura. Com um aumento global de 3,2° C, um cenário esperado se não houver mais cortes de emissões após as promessas dos atuais governos para 2030, acima de um terço das espécies de água doce terão mais da metade de seus habitat atuais ameaçados por temperaturas extremas. Se o aquecimento for de 2° C, esse número reduz para 9% das espécies. Com esses resultados, os autores afirmam que limitar o aquecimento global é realmente importante para as espécies de peixes de água doce.
É importante ressaltar que, nesse estudo, os autores focaram em temperaturas extremas para a sobrevivência das espécies, pois essas são mais decisivas para extinções locais e potenciais contrações de distribuição geográfica. No entanto, sabemos que a exposição prolongada a temperaturas acima do ideal (mas não extremas) também pode ter efeitos negativos para as populações de peixes. Cada espécie tem uma faixa de temperatura ideal na qual os animais podem ser ativos, crescer, reproduzir e metabolizar. Para alguns organismos, sua faixa de temperatura ideal pode ser tão estreita quanto alguns graus ou tão grande quanto 20°C. Por isso, é necessário que o corpo de evidências científicas para as consequências das mudanças climáticas em peixes de água doce seja ampliado, tanto em relação a quais espécies são estudadas quanto em relação à região geográfica em que se encontram.
Nosso conhecimento ainda é incompleto e restrito às espécies de regiões mais frias, com estudos concentrados na América do Norte e na Europa. Mais uma vez, esse é um tópico em que o Brasil poderia liderar as pesquisas no mundo já que é o país mais diverso em espécies de peixes de água doce do mundo e o que possui a maior reserva de água doce, com 12% do total disponível no planeta.
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