Por Silvana Davino
Bióloga e responsável técnica da Área de Soltura Monitorada (ASM) Cambaquara, em Ilhabela (SP)
segundachance@faunanews.com.br
Fiquei muito feliz pelo convite do Dimas Marques, editor do Fauna News, para dividir esta coluna sobre áreas de soltura de animais silvestres com a bióloga Adriana Prestes.
Como todos nós sabemos, os caminhos são tortuosos e difíceis para quem trabalha com fauna silvestre no Brasil, por isso, escolhi contar algo alegre no primeiro artigo: o sucesso de uma soltura de Amazona farinosa, o papagaio-moleiro na Área de Soltura Monitorada Cambaquara, em Ilhabela (SP).
O papagaio-moleiro é o maior papagaio do Brasil, com distribuição na Amazônia e na Mata Atlântica. A espécie está classificada no estado de São Paulo como “criticamente ameaçado de extinção”. Ilhabela ainda é um dos poucos lugares do Estado onde a população é abundante, apesar das ameaças de perda de habitat e de ocorrências como tiros de chumbinho, colisão em vidro, cativeiro irregular e predação por cães e gatos.
Recebemos a homologação da ASM Cambaquara em 2014 pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) e em 2015 já estávamos com 13 Amazona farinosa sendo preparados para soltura.
Dentro dos nossos protocolos, seguimos quatro itens básicos que são fundamentais:
– ter capacidade de voo;
– reconhecer alimentos da natureza;
– reconhecer predadores;
– ter medo de humanos.
Neste último quesito, tínhamos dois papagaios mansos (Isaac e Eva) que vieram de cativeiro irregular e formaram par dentro do nosso aviário. Ficamos em dúvida em soltá-los pelo grau de mansidão deles, mas preferimos dar essa segunda chance para o casal. O grupo a ser solto em que eles estavam era bem coeso e tinha tudo para dar certo.
A soltura foi realizada em novembro de 2015, no modelo soft release, em que o “janelão” do recinto é aberto e as aves têm a liberdade de sair e voltar quando quiserem. Mantemos quatro comedouros externos permanentemente abastecidos duas vezes por dia, distribuídos em diferentes pontos da propriedade, como reforço alimentar.
O janelão foi aberto e, diferentemente do que as pessoas imaginam nas solturas, os papagaios não saem voando de imediato. E neste caso não foi diferente. Eles foram saindo aos poucos e somente Isaac e Eva ficaram três dias ir para o lado externo. Estavam no tempo deles e ainda havia a chance de não os soltar. Porém, no quarto dia, o casal saiu e começou a explorar o entorno, voltando para dormir dentro do aviário. Depois de uma semana, eles sumiram e não os avistamos mais nos monitoramentos. Fiquei com aquela dúvida se realmente tínhamos feito a coisa certa.
Após quatro meses, eu avistei um papagaio anilhado com um filhote! Uau, não podia acreditar. Em outro momento, consegui registrar através de fotos o número da anilha do indivíduo e identificar que se tratava do casal manso, que até vinha no ombro dentro do aviário. Para nossa surpresa e alegria imensurável, Isaac e Eva haviam se reproduzido na natureza e trazido o filhote para se alimentar no nosso pomar e comedouros externos, onde certamente sabiam que estavam em segurança. A emoção foi enorme! Felicidade dupla por constatar que sobreviveram na natureza e ainda se reproduziram.
Baby, o filhote, era lindo e saudável! Pude acompanhar por vários meses o seu desenvolvimento, vendo como os pais cuidaram dele e a maneira como o ensinavam a se alimentar, a se limpar, a voar… Foi um grande aprendizado. Eles voltaram por vários anos consecutivos, no outono/inverno, quando a mata já apresenta escassez de alimentos.
Sem dúvida, todas as aves podem ter a sua segunda chance, até mesmo aquele “papagaio da vovó” que ficou 30 anos em cativeiro. Vale a pena tentar!
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