Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Atualmente, estamos presenciando uma das piores queimadas das últimas décadas no Pantanal. As queimadas ocorrem todos os anos na região nesta época do ano devido às altas temperaturas, baixa umidade do ar e pouca chuva. Entretanto, este ano, devido à menor quantidade de chuva, não causando as inundações dos rios, principalmente do rio Paraguai, o fogo chegou mais cedo. Também sabemos que a intensificação dessas condições favoráveis ao fogo está relacionada às mudanças climáticas e ao desmatamento.
Como se não bastasse, há muitos indícios de que os incêndios atuais que estamos têm origem em ações humanas. Muitos fazendeiros aproveitam da época de seca e iniciam incêndios, conhecido como a prática agrícola do uso do fogo, para renovar as suas áreas de pastejo de gado. Como existe pouca fiscalização e muita impunidade, pois é difícil saber onde o fogo iniciou e quem o iniciou, essas práticas continuam recorrentes. Além disso, a expansão de áreas para pastagem e plantações de soja vem sendo as principais causas de desmatamento no bioma nos últimos anos. Contudo, a perícia realizada pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman-MT) já conseguiu identificar alguns locais de origem dos focos de incêndio através de imagens de satélite.
Um dos impactos mais evidente dos incêndios é a morte direta da fauna silvestre. Os animais podem morrer carbonizados enquanto tentam fugir, asfixiados pela fumaça ou por estresse energético da fuga, entre outras causas. Ou ainda, podem sobreviver e conseguir escapar para algum local seguro, mas morrerem por falta de alimento e/ou água ou pelos próprios danos da fumaça em diversos órgãos. Alguns animais ainda podem ser socorridos por integrantes de órgãos do poder público ou por outros voluntários e receberem tratamento, mas alguns danos físicos serão irreversíveis. Há animais com seus membros amputados ou com sequelas respiratórias, logo não poderão voltar à natureza. Ainda que se recuperem, com seu habitat completamente destruído, para onde eles voltariam? A perda da biodiversidade é imensurável, são muitos danos diretos e indiretos causados.
E onde entra o impacto por atropelamento nessa história?
Imagina que os animais estão há dias fugindo do fogo à procura de algum abrigo seguro e alimento. Logo, estão cansados, com fome e desorientados devido à fumaça e a intoxicação. Quando chegam nas rodovias, estão debilitados e acabam utilizando a via para um deslocamento mais “seguro” para fugir do fogo. Consequentemente, se tornam alvos mais fáceis de colisões.
E assim ocorrem os atropelamentos com os animais que estão desesperadamente fugindo do fogo. Pouco se sabe sobre as fatalidades por colisões com veículos nas rodovias nas regiões dos incêndios no Pantanal. Há relatos de animais encontrados mortos por atropelamento nas rodovias próximas a estes locais. Porém, é possível imaginar que, além dos animais estarem desestabilizados fisicamente e psicologicamente devido ao estresse da fuga e da intoxicação, a fumaça dos incêndios prejudica a visibilidade dos condutores na via, sendo assim, é mais difícil evitar a colisão com a fauna na estrada.
Então, seria plausível pensar que estaria ocorrendo um aumento no número de atropelamento atualmente para essa região? Até o momento ainda não se sabe. Poderia pensar que não, pois a maioria está morrendo carbonizada ou sendo resgatada. Ou poderia pensar que sim, pois os que conseguem fugir podem acabar usando as estradas para se deslocar, como já mencionamos em artigos de 28 de setembro de 2017 e de 5 de setembro de 2019. Independentemente da resposta, esse levantamento seria importante para contabilizar os impactos indiretos na fauna silvestre causados pelos incêndios criminosos e acrescentar essa responsabilidade sobre os responsáveis.
Entendendo a complexidade e a dimensão dos impactos oriundos dos incêndios, podemos observar o contexto das estradas como rotas de fuga para a fauna. Logo, poderíamos pensar em medidas de mitigação adaptadas para evitar os atropelamentos nesses cenários. Ainda que essas queimadas por si só sejam responsáveis pela perda direta de biodiversidade, quando somamos os impactos indireto relacionados, como os atropelamentos da fauna, o resultado é alarmante.
Não faltam reportagens, imagens e vídeos retratando o que está acontecendo no Pantanal, seja com a população local seja com a fauna. Contudo, temos que fazer a nossa parte mesmo em casa e avaliar as nossas atitudes diante dessa situação. Temos que nos informar e procurar entender o problema de fato e como podemos amenizá-lo, por exemplo, evitando o consumo de carne proveniente das pastagens do agronegócio dessa região. Podemos exigir dos políticos encarregados que as leis ambientais protejam mais a nossa biodiversidade, mais verbas para uma fiscalização efetiva e para combater incêndios ambientais, punição aos responsáveis, entre outras melhorias que precisam ser feitas em relação ao meio ambiente.
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