
Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anáplois (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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A raiva é uma doença mundial que afeta particularmente cães, gatos, morcegos, e carnívoros selvagens, incluindo chacais, lobos, raposas, doninhas, texugos e coiotes. Os herbívoros (gado bovino, cavalos, veados e outros) são menos frequentemente afetados e, embora possam transmitir o vírus a outros animais, raramente o transmitem ao homem. Os roedores silvestres como os ratos e os esquilos e lagomorfos (coelhos) também são suscetíveis, mas muito dificilmente são transmissores porque provavelmente não sobreviveriam ao ataque de um animal com raiva.
A doença é transmitida para os humanos através da mordedura de animais com raiva, particularmente os cães, gatos, lobos, raposas, doninha, chacal e morcegos. Apesar de a infecção poder ocorrer em qualquer animal homeotérmico, alguns como a raposa, o coiote e o lobo são mais susceptíveis do que outros.
A raiva é uma grave doença infecciosa causada pelo vírus do gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae, que leva ao óbito praticamente 100% dos pacientes contaminados. Desde o século XIX, porém, já existe vacina contra a raiva, sendo ela bastante efetiva em impedir o avanço da doença, caso administrada em tempo hábil. É uma enfermidade transmitida somente por animais mamíferos, geralmente através da mordida e inoculação do vírus presente na saliva dentro da pele.
A raiva é uma doença onde o sistema nervoso central fica comprometido e pode levar à morte em poucos dias, caso não seja devidamente tratada. Na maioria das vezes, os animais domésticos são o meio transmissor do vírus para o homem. No entanto, o hábito de tentar domesticar animais silvestres pode ser fatal se o mesmo estiver contaminado. Atualmente, a doença tem aumentado em incidência, particularmente entre os silvestres. Vários casos foram relatados nos últimos anos confirmando a presença do vírus rábico em sagüis do Piauí, onde é bastante comum a criação desses animais como bichos de estimação.
Devido a recente epizootia (disseminação rápida de doença entre animais não-humanos) de raiva nos texugos e a elevada transmissibilidade da raiva por morcegos nos EUA, persiste o medo de que a raiva humana possa reemergir. Por sua vez, na Europa, na década de 70, a raiva espalhou-se pela vida selvagem na Alemanha com períodos de incursões pelos países vizinhos, como a Dinamarca, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, França e Suíça, tendo sido eliminada na década de 90 após campanhas de vacinação oral dos animais selvagens.
É de referir que em alguns países em desenvolvimento, onde a raiva é endêmica, após um programa de vacinação oral para os animais domésticos e do melhoramento do tratamento pós-exposição, registrou-se um decréscimo drástico dos casos de raiva humana, como, por exemplo, na China, Tailândia, Sri Lanka e América Latina. Para contrariar esse decréscimo, nas últimas décadas uma forma de raiva canina (que se transmite de cão para cão) foi reconhecida por estar a espalhar-se para o lado leste da África ocidental e sul da África. Na América latina, esse decréscimo também tem sido contrariado pelo aumento da raiva bovina.
No Brasil, os principais vetores são os morcegos hematófagos Desmodus rotundus, Diaemus youngi e Diphylla ecaudata, apresentando o sorotipo variante 3. Relata-se também a transmissão por morcegos insetívoros Tadarida brasiliensis e Lasiurus cinereus, com sorotipos variantes 4 e 6, respectivamente, e por um morcego frugívero Artibeuslit uratus, com variante 5. Outros animais silvestres relatados como vetores são cachorro-do- mato (Cerdocyon thous), raposa (Dusicyon vetulus), guaxinim (Procyon cancrivorus), gambá (Didelphis spp.), sagui (Calithrix spp.) e sagui-do-tufo-branco (Calithrix jacchus).
Os sinais clínicos nas raposas são caracterizados por apatia, paralisia de membros posteriores, ataxia (perda de movimentos musculares), espasmos musculares, fadiga, tremores, convulsões, mioclonias (contrações repentinas, incontroláveis e involuntárias de um músculo ou grupo de músculos), agitação e agressividade. Nos saguis, o período de incubação varia de quatro a oito dias e sinais clínicos de incoordenação motora, debilidade, prostração, inapetência e hiperexcitabilidade são encontrados em 87,5% dos animais, opstótono – espasmo no qual a cabeça, pescoço e coluna vertebral de um indivíduo formam uma posição em arco – (75%) e vômito (10%). Todos apresentam paralisia de membros posteriores e de cauda, evoluindo para respiração abdominal e morte três a seis dias após inicio dos sinais.
A raiva em animais selvagens é distribuída em diferentes Estados brasileiros. Em saguis ocorre no Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Casos envolvendo cachorro-do-mato foram registrados no Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Goiás. Os acidentes com morcegos hematófagos concentram-se em Goiás, e com os não hematófagos, em Rondônia e Mato Grosso. Já os acidentes com ambos ocorrem em toda a Região Sudeste e a Sul, além do Mato Grosso do Sul, Bahia, Pará, Piauí, Pernambuco e Distrito Federal. Os saguis são hospedeiros naturais de uma variante do vírus e foram responsáveis por sete casos de raiva humana registrados no período 1997-2006.
Em vários países da América Latina, morcegos vampiros infectados com raiva são um problema para a indústria de produção de carne. Nesses países, há um controle efetivo do número de casos de raiva, com o uso de vacinação para os bovinos e de anticoagulantes. Esses anticoagulantes são adicionados à comida do gado ou misturados com gordura e espalhados no dorso dos animais. Quando os morcegos vampiros se alimentam do sangue do gado tratado, sofrem de hemorragias fatais nos seus capilares e morrerem.
Qualquer animal que tenha o vírus vai provavelmente desenvolvê-lo e eventualmente morrer como consequência da doença. Se tivermos isso bem presente nas nossas mentes, torna-se extremamente importante tomar precauções quando estamos a lidar com algum animal desconhecido ou selvagem.
Para que uma campanha de prevenção seja eficiente, deve-se começar pela educação do público em geral no sentido de evitar o contato com animais selvagens e domésticos desconhecidos e, em caso de mordedura, procurar tratamento imediato. Deve-se conduzir campanhas de vacinação anti-rábica em massa (de cães e gatos) e notificar as autoridades competentes quando suspeitar que algum animal está infectado. O outro componente-chave para o controle da raiva é o uso da profilaxia da pré-exposição e pós-exposição para prevenir a infecção e o aparecimento da doença em indivíduos que estão em alto risco de contrair a doença.
É sempre bom lembrar que a raiva não tem cura e MATA!