

Por Elisângela de Albuquerque Sobreira
Médica Veterinária e mestre em Ecologia e Evolução pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda em Animais Selvagens pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Botucatu). Já foi Gerente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Anáplois (GO), onde fundou e mantém o Centro Voluntário de Reabilitação de Animais Selvagens (CEVAS)
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No Brasil, a leptospirose é considerada uma doença endêmica e constitui um sério risco a saúde pública. Ela é uma zoonose de ampla distribuição, com significativo impacto social, econômico e sanitário. Essa enfermidade acomete o ser humano e praticamente todos os animais domésticos e selvagens, entre os quais se destacam os carnívoros, roedores, primatas e marsupiais, que podem se tornar portadores e contribuírem para a disseminação do microrganismo na natureza.
Estudos sorológicos têm demonstrado o envolvimento de diferentes espécies sinantrópicas (animais silvestres que se instalam em povoamentos humanos beneficiando-se das condições criadas pela presença e atividades dos homens) e silvestres na epidemiologia da doença. Em relação aos animais silvestres, é grande a variedade de espécies entre roedores e carnívoros, incluindo raposas, chacais, ouriços, guaxinins, gambás, doninha e gatos selvagens.
Estudos em zoológicos indicam uma grande soroprevalência de anticorpos anti-leptospira em animais mantidos em cativeiro, apresentando, estes, sintomas e sinais clínicos semelhantes aos dos animais domésticos. Em estudos realizados por ESTEVES et al.; (2005), dos 167 animais analisados, 17 foram positivos (9,82%) para leptospirose pelo teste de Soroaglutinação Microscópica. Nesse grupo estavam indivíduos das espécies Leopardus pardalis (jaguatirica), Chrysocyon brachyurus (lobo-guará), Oreochromis niloticus (tilápia-do-Nilo), dentre outras; indicando que a infecção pela bactéria Leptospira spp. existe nos animais de cativeiro e pode se perpetuar neles sendo um potencial de disseminação da doença.
Dentre os sintomas nos animais podemos citar mucosas (olho e gengiva) amareladas e aparecimento de lesões na boca, hematomas e manchas na pele, mudança no comportamento e depressão (o animal se torna mais triste e cansado), falta de apetite, vômitos, urina com sangue e febre. Além dos sintomas da leptospirose aparentes ocorrem o aumento do número de glóbulos brancos no sangue e uma perda considerável de proteína pela urina. Todos os sintomas da leptospirose dependem da idade do animal e dos seus estados imunológico e de saúde. O tratamento nos animais varia de acordo com cada caso. Entre as condutas terapêuticas, as que se destacam incluem a hidratação e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos, diálise, transfusão sanguínea e antibioticoterapia. Existe uma gama de antibióticos (doxiciclina, penicilina, ampicilina, amoxicilina, quinolonas e macrolídeos) de diferentes formulações e doses que podem ser considerados no tratamento da leptospirose.
No homem em geral, a leptospirose ocorre na forma de surtos, ocasionados por exposição prolongada a água e solos úmidos, ou ingestão de alimentos contaminados. Em várias partes do mundo, investigações em animais silvestres demonstram a presença de leptospiras em muitas espécies, como roedores, edentatas (preguiças, tatus e tamanduás), carnívoros e artiodáctilas (mamíferos como os bois, cabritos e tantos outros), os quais podem atuar como fonte de infecção.
A Leptospira multiplica-se nos rins dos animais sem causar danos e é eliminada pela urina, às vezes por toda a vida do animal. A bactéria eliminada junto com a urina de animais sobrevive no solo úmido ou na água, desde que tenham pH neutro ou alcalino. Não sobrevive em águas com alto teor salino.
A Leptospira penetra através da pele e de mucosas (olhos, nariz, boca) ou através da ingestão de água e alimentos contaminados. A presença de pequenos ferimentos na pele facilita a penetração, que pode ocorrer também através da pele íntegra, quando a exposição é prolongada. Os seres humanos são infectados casual e transitoriamente e não têm importância como transmissores da doença. A transmissão de uma pessoa para outra é muito pouco provável.
No Brasil, como em outros países em desenvolvimento, a maioria das infecções ocorre através do contato com águas de enchentes contaminadas por urina de ratos. Nesses países, a ineficácia ou inexistência de redes de esgoto e de drenagem de águas pluviais, a coleta de lixo inadequada e as consequentes inundações são condições favoráveis à alta endemicidade e às epidemias. Atinge, portanto, principalmente a população de baixo nível socioeconômico da periferia das grandes cidades, que é obrigada a viver em condições que tornam inevitável o contato com roedores e águas contaminadas.
A maioria das pessoas infectadas pela Leptospira desenvolve manifestações discretas ou não apresenta sintomas da doença. As manifestações da leptospirose, quando ocorrem, em geral aparecem entre dois e trinta dias após a infecção (período de incubação médio de dez dias).
As manifestações iniciais são febre alta de início súbito, sensação de mal estar, dor de cabeça constante e acentuada, dor muscular intensa, cansaço e calafrios. Dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia são frequentes, podendo levar à desidratação. É comum que os olhos fiquem acentuadamente avermelhados (hiperemia conjuntival) e alguns doentes podem apresentar tosse e faringite. Após dois ou três dias de aparente melhora, os sintomas podem ressurgir, ainda que menos intensamente. Nessa fase é comum o aparecimento de manchas avermelhadas no corpo (exantema) e pode ocorrer meningite, que em geral tem boa evolução. A maioria das pessoas melhora em quatro a sete dias.
Em cerca de 10% dos pacientes, a partir do terceiro dia de doença, surge icterícia (olhos amarelados), que caracteriza os casos mais graves. Esses casos são mais comuns (90%) em adultos jovens do sexo masculino, e raros em crianças. Aparecem manifestações hemorrágicas (equimoses, sangramentos em nariz, gengivas e pulmões) e pode ocorrer funcionamento inadequado dos rins, o que causa diminuição do volume urinário e, às vezes, anúria total.
A leptospirose grave, que evolui com icterícia, diminuição do volume urinário e sangramentos, é semelhante à forma grave da febre amarela. A diferenciação pode ser feita com facilidade através de exames laboratoriais.
O tratamento da pessoa com leptospirose é feito fundamentalmente com hidratação. Não deve ser utilizado medicamentes para dor ou para febre que contenham ácido acetilsalicílico (AAS®, Aspirina®, Melhoral®, etc.), que podem aumentar o risco de sangramentos. Os anti-inflamatórios (Voltaren®, Profenid®, etc) também não devem ser utilizados pelo risco de efeitos colaterais, como hemorragia digestiva e reações alérgicas. Quando o diagnóstico é feito até o quarto dia de doença, devem ser empregados antibióticos (doxiciclina, penicilinas), uma vez que reduzem as chances de evolução para a forma grave. As pessoas com leptospirose sem icterícia podem ser tratadas no domicílio. As que desenvolvem meningite ou icterícia devem ser internadas. As formas graves da doença necessitam de tratamento intensivo e medidas terapêuticas como diálise peritonial para tratamento da insuficiência renal.
A prevenção é o melhor remédio!
Algumas medidas importantes que devem ser seguidas.
Evite o contato com água ou lama de enchentes ou esgotos. Impeça que crianças nadem ou brinquem nestes locais, que podem estar contaminados pela urina dos ratos. Após as águas baixarem, será necessário retirar a lama e desinfetar o local (sempre se protegendo). Pessoas que trabalham na limpeza de lama, entulho e esgoto devem usar botas e luvas de borracha para evitar o contato da pele com água e lama contaminadas (se isto não for possível, usar sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés). Após as águas baixarem será necessário retirar a lama e desinfetar o local (sempre se protegendo). Deve-se lavar pisos, paredes e bancadas, desinfetando com água sanitária, na proporção de 2 xícaras das de chá (400 ml) desse produto para um balde de 20 litros de água, deixando agir por 15 minutos.
Fonte: ESTEVES, F.M.; GUERRA-NETO, G.; GIRIO, R.J. da S.; SILVA-VERGARA, M.L.; CARVALHO, A.C. de F.B. Detecção de anticorpos para Leptospira spp.em animais e funcionários do Zoológico Municipal de Uberaba, MG. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.72, n.3, p.283-288, 2005.