Os seres sencientes e as catástrofes ambientais

Fenômeno natural destrutivo ou desastre é definido como “resultado de evento adverso, de origem natural ou induzido pela ação humana, sobre ecossistemas e populações vulneráveis que causa significativos danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos econômicos e sociais”, de acordo com a Lei nº 14.750/2023.

Como o conceito de dano está ligado a patrimônio, estamos falando de questões particularmente humanas. Apesar de toda essa tragédia “humana” na região Sul do país, desejo, neste artigo, focar na resiliência daqueles seres que compartilham conosco o espaço, seja ele urbano ou rural.

Entes que não estão incluídos nos conceitos legais de desabrigados ou desalojados, que não estão oficialmente relacionados nas evacuações preventivas nem tampouco incluídos em abrigos providos pelos órgãos públicos, muito menos incluídos na capacidade (ou incapacidade) de resposta do poder público.

Seres vivos que, apesar da evolução da legislação, ainda são considerados “bens suscetíveis de movimento próprio” com “destinação econômico-social” (Código Civil Brasileiro, artigo 82). Seres cujos ministérios ambientais e de mudanças do clima não costumam citar em suas custosas reuniões. Animais, sejam eles domésticos ou silvestres, que perderam seus lares humanos e outros que perderam suas tocas, ninhos e fontes de alimento. Adultos que perderam seus filhotes e gerações que perderam os pais e, sob as águas, perderam, também, parte importante de seu material genético.

Nenhum acordo, acordos de intenção ou tratados oficiais inclui, em seus textos, maus-tratos dessa magnitude os quais assistimos – e os que não tivemos acesso – nos últimos dias.

Não poderia deixar de parabenizar a população humana “desorganizada” que se organizou e descobriu o verdadeiro sentido do L’État, c’est moi (“O Estado sou eu”). Temporariamente livre do cabresto estatal, percebeu que boa parte dessa estrutura voltada para o social é teórica e que, na prática, pouco funciona.

Descobriu, nas suas atitudes, ser mais rápida para salvar os seus, indistintamente de cores, raças e espécies. Pessoas verdadeiramente inspiradas por fazer alguma coisa, apesar de se confrontar com águas infestadas, doenças e falta de recursos. Empresários que, apesar dos encargos altíssimos, colocaram seus caros recursos à disposição de almas paralisadas por inações daqueles que deveriam estar à frente, porém, insistem em continuar bradando uma quantidade infinita de nada.

O Estado, dito organizado e poderoso, demonstrou fraqueza para organizar, resgatar, abrigar e alimentar. A organicidade de um povo demonstrou que este Estado ainda não é maior que a nação.

Esperamos demais dos entes públicos. Ainda bem que o povo gaúcho não sabia disso.

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