Os pássaros e a educação dentro dos processos penais

A presente reflexão está baseada nas incontáveis experiências práticas, sejam elas operacionais ou da análise, elaboração e destinação de documentos (administrativos, investigativos ou jurídicos), como também no acompanhamento de decisões judiciais.

Os objetivos principais aqui são (1) evoluir a visão da percepção ao bem-jurídico tutelado (a própria vida do animal) em relação a como tratamos penalmente a conduta de captura de pássaros na natureza e a conduta de manter ou possuir aprisionados os pássaros capturados, que antes exerciam seu direito intrínseco, natural e divino de voar livremente; (2) discutir sobre a necessária vigilância do acompanhamento da cadeia de custódia dos animais silvestres dentro do processo; e (3) demonstrar como a recuperação e o retorno dos pássaros aprisionados para a vida livre deve ser melhor explorada como ferramenta de educação.

O Brasil está repleto de animais silvestres ilegais, acobertados por documentos ou petrechos de marcação (anilhas e chips) falsos. A maioria absoluta dos espécimes fiscalizados são oriundos do mundo do crime e da crueldade, vindos de várias partes do país.

Pessoalmente, não posso deixar de consignar que considero uma atrocidade manter qualquer pássaro em gaiola. Se existe um símbolo do atraso de nossa nação, esse símbolo é a permissão de criação de pássaros em gaiolas, que nunca vou considerar uma cultura, mas defino como um mal hábito, cruel, alimentado pelo ego e ignorância humanos. O pássaro capturado perde o direito de exercer individualidades naturais, sendo punido, sem motivo, para viver momentos indesejados e sofrimentos.

De um ponto de vista natural e lógico, não podemos pensar que a prisão para um ser humano é uma punição, enquanto que os pássaros ficarem aprisionados não a seja. Tendo isto em vista, vemos que a captura do animal e a manutenção dele em aprisionamento são duas condutas criminosas de maus-tratos independentes. Manter e ser flagrado com um pássaro ilegal configura o crime do artigo 29 da Lei nº 9605/98 (Lei de Crimes Ambientais). Porém essa manutenção também configura crime permanente de maus-tratos (artigo 32 da mesma lei), pois manter o animal aprisionado é restringir continuamente o direito de se locomover, o tolhendo de voar livre. A gaiola nada mais é do que uma ferramenta para materializar o crime.

Não é razoável achar que um pássaro ilegal aprisionado esteja tendo seu direito à vida resguardado em plenitude, como também não é razoável que o ato de capturar ilegalmente o animal não seja uma conduta que leva sofrimento, angústia e desespero à ave. Vejo como coisas lógicas e importantes para a reflexão da comunidade jurídica.

O segundo ponto é em relação ao acompanhamento e à destinação do animal silvestre dentro do processo, isto é, na cadeia de custódia do ser vivo. O processo anda e tramita com o objetivo de preservar o bem-jurídico tutelado, que é a própria vida do animal que passava por sofrimentos, o que exige atenção, cautela e acompanhamento até a conclusão de todo o processo criminal.

Muitos animais saudáveis estão sendo destinados de maneira duvidosa ao cativeiro dos criadouros comerciais, onde poderiam ser reabilitados e retornar para a vida livre. Há também espécimes sendo deixados e esquecidos com os próprios criminosos por meio de termos de depósitos. Enfim, são muitas situações nebulosas que merecem ter uma vigilância maior do poder Judiciário e dos Ministérios Públicos.

Por que as drogas são acompanhadas e os animais, que possuem vida, individualidade e são seres sencientes, não têm um acompanhamento até seu destino final?

Reabilitação e soltura de aves como educação ambiental

Concluo os três breves temas abordando o uso da recuperação, reabilitação, reintrodução e retorno dos pássaros na natureza como ferramenta de educação. Poderia dizer que seu uso pedagógico está altamente subutilizado, mas o correto é que não existe utilização alguma destas ações como materiais educativos. Percebam que esse assunto envolve e está relacionado com os dois apontamentos tratados anteriormente; são coisas interligadas.

Finalizo com a esperança de ter estimulado os leitores com essas três rápidas abordagens dos direitos dos pássaros silvestres. A evolução das discussões sobre as subutilizações das ações concretas deve seguir, considerando que também existe uma subutilização da aplicação do parágrafo primeiro do artigo 180 do Código Penal (receptação qualificada, cuja pena é reclusão de três a oito anos), além dos ilícitos decorrentes das falsidades (relacionados às quadrilhas de traficantes de fauna que vendem animais como se eles fossem legalizados).

Há uma carência de maiores esforços para aplicações desses dispositivos legais, de sua divulgação e de apoio de quem comanda as Polícias Judiciárias, os Ministérios Públicos e, claro, o próprio Poder Judiciário.