Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. Mestre em Sustentabilidade pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Ao pensarmos no crime de maus-tratos a animais, a primeira imagem que vem em nossas cabeças são dos animais domésticos, como cães e gatos. Entretanto, as principais vítimas dos maus-tratos são, de fato, os silvestres. E neste mês é sobre esse assunto que gostaria de compartilhar, pois, às vezes, ações danosas a nossa fauna são realizadas, mesmo que indiretamente, por aqueles que prometem serem os cuidadores e mantedores dos animais, como veremos a seguir.
Indiscutivelmente, quando tratamos da manutenção de animais silvestres durante o tráfico, os maus-tratos já estão intimamente ligados a essa atividade. Seja pela forma cruel com que eles são retirados da seus ninhos ou capturados em redes e armadilhas, ou ainda pelo transporte insalubre em pequenas caixas e gaiolas sem iluminação, ventilação, alimentação e água. Segundo o Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), a mortalidade pode chegar a 90% dos animais durante o processo de captura e transporte.
Mas a condição de maus-tratos aos silvestres quase nunca se encerra com a chegada ao “novo lar”. Isso porque, via de regra, o ser humano não altera seu ambiente para a vida de um animal desse tipo, mas busca alterar as características dos animais para adaptá-los ao seu dia a dia, deixando aflorar sua melhor visão antropocêntrica da fauna – o animal deve servir como um pet e se condicionar a uma vida escolhida pelo seu “dono”.
E porque isso seria uma forma de maus-tratos? E como exemplificar?
Bem, temos que evoluir inicialmente nossa definição de maus-tratos e ter em mente que o sofrimento animal está além de agressões físicas e marcas aparentes: ele está, na verdade, associado à privação de bem-estar, que engloba, entre outros aspectos, a possibilidade de o animal realizar atividades habituais como voar, cantar, se relacionar com outros de sua espécie, e procriar.
Podemos aqui usar o caso do papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) para ilustrar essa discussão – e isso inclui até mesmo o comprado de forma legal. Como ele é geralmente encontrado nos lares brasileiros? Engaiolado, acorrentado ou livre, mas com asas cortadas, limitando assim sua possibilidade de voo por causa da desculpa do risco de fuga; se alimentando com dieta inadequada para sua espécie, como pães, bolachas, chocolates e até mesmo café; sem a possibilidade de interação com indivíduos de sua espécie, e consequentemente, sem poder acasalar e realizar a procriação da espécie; e, muitas vezes, exposto a intemperes climáticas, como frio, chuva e sol intenso, por geralmente estar acondicionado no lado externo das residências.
Lembrando ainda que se o animal silvestre teve sua origem no tráfico, dificilmente terá algum acompanhamento médico veterinário se adoecer, seja pelo risco de denunciarem o proprietário do animal – uma vez que se tem conhecimento de que ele está cometendo uma atividade ilícita – seja pela escassez de profissionais com especialização no tratamento de silvestres.
O mesmo exemplo poderia ser feito com quase todos os demais silvestres. E isso nos acende uma alerta, o da importância de avançarmos em discussões sobre os maus-tratos indiretos ocasionados pela manutenção de animais silvestres em cativeiro, sobre se é possível uma guarda responsável desse tipo de fauna e sobre como sensibilizar a sociedade a adotá-lo.
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