Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
invertebrados@faunanews.com.br
No Brasil, o 12 de outubro é uma das datas mais importantes do calendário, pois reúne festejos de grande significado cultural: o Dia das Crianças e o Dia de Nossa Senhora Aparecida. E, como acontece em quase todas as manifestações culturais, é possível utilizar essas duas festas para falar de insetos, o grupo animal mais abundante e diversificado do planeta.
No texto de outubro, este espaço deu prioridade à Padroeira do Brasil [1] e, agora, nosso papo vai ser de criança. Sim, sei que em um país como o Brasil, em que tanta coisa acontece, o 12 de outubro já vai longe, mas, convenhamos, Dia da Criança é todo dia. E, de mais a mais, daqui a pouco chega dezembro, mês ansiosamente aguardado pelos infantes – já é Natal na Leader Magazine…
O Dia das Crianças é uma grande exaltação ao lúdico, aos brinquedos e às brincadeiras. É verdade que, com o passar do tempo e com a urbanização cada vez maior da população, as brincadeiras de rua estão perdendo espaço para os jogos eletrônicos, aqueles jogados de um computador ou aparelho celular, em que adversários e aliados só estão próximos virtualmente graças às modernidades da internet. Mas, mesmo nesses jogos, muito mais referidos pelo seu nome em inglês (games), os insetos marcam presença simbólica. Como o objetivo aqui não é falar tanto do mundo virtual, vou mencionar um único exemplo: Pokémon Go!, um aplicativo de celular baseado na franquia que dominou o mundo e que inclui animações e jogos diversos. Muitos dos Pokémon que fazem a festa de crianças de todo o mundo são inspirados em insetos, como Caterpie, que representa uma lagarta de borboleta da família Papilionidae (Lepidoptera), Heracross, que representa um besouro da família Scarabaeidae (Coleoptera), e tantos outros [2].
No entanto, as brincadeiras de rua, legítimas representantes da cultura popular, ainda são comuns, especialmente no interior. Como as chamadas cantigas de roda ou cirandas, tradição que é passada, à base da oralidade, por gerações e que faz com que muitos adultos de hoje recordem dos bons tempos da tenra infância. Algumas dessas cantigas fazem menção a insetos na letra, sendo talvez a mais conhecida “Borboletinha” [3], aquela em que o Lepidoptera está na cozinha fazendo chocolate para a madrinha.
“Borboletinha
Tá na cozinha
Fazendo chocolate
Para a madrinha
Poti-poti
Perna de pau
Olho de vidro
Nariz de pica-pau”
Já em “A barata diz que tem” [4], o pouco querido bichinho diz que tem um monte de coisas meio inadequadas para um inseto (“sete saias de filó”, “um anel de formatura”, “um sapato de veludo”, “uma cama de marfim”), mas a ciranda trata logo de desmenti-lo.
“A barata diz que tem
Sete saias de filó
É mentira da barata
Ela tem é uma só
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem é uma só
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem é uma só
A barata diz que tem
Um anel de formatura
É mentira da barata
Ela tem a casca dura
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem a casca dura
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem a casca dura
A barata diz que tem
Um sapato de fivela
É mentira da barata
O sapato é da mãe dela
Rá rá rá, ró ró ró
O sapato é da mãe dela
Rá rá rá, ró ró ró
O sapato é da mãe dela
A barata diz que tem
Uma saia de cetim
É mentira da barata
Ela tem é de capim
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem é de capim
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem é de capim
A barata diz que tem
Um sapato de veludo
É mentira da barata
Ela tem o pé peludo
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem o pé peludo
Rá rá rá, ró ró ró
Ela tem o pé peludo
A barata diz que tem
Sete saias de balão
É mentira não tem não
Nem dinheiro pra sabão
Rá rá rá, ró ró ró
Nem dinheiro pra sabão
Rá rá rá, ró ró ró
Nem dinheiro pra sabão
A barata diz que tem
Um vestido de babado
É mentira da barata
O vestido tá rasgado
Rá rá rá, ró ró ró
O vestido tá rasgado
Rá rá rá, ró ró ró
O vestido tá rasgado”
É interessante perceber que algumas peculiaridades reais das baratas são exaltadas na modinha, como o fato de elas terem a “casca dura” (exoesqueleto endurecido, como todos os artrópodes), o “pé peludo” (muitas cerdas e espinhos nas pernas) e roerem tecidos. Salve a sabedoria popular!
Os famosos integrantes da ordem Blattodea dão nome a um coletivo de estórias infantis, aquelas contadas pelas avós e tias: os contos da carochinha. Sim, carochinha ou carocha são outros nomes comuns da barata, embora alguns também os usem para besouros da família Carabidae. Um dos mais conhecidos desses contos populares é protagonizado por inseto, a própria barata em pessoa: “Dona Baratinha”. Dona Baratinha, que é ótima dona de casa, acha uma moeda. Rica e prendada, resolve procurar um noivo e, após muito escolher, elege o Senhor Ratão como consorte. Bom, o final do conto não é lá muito romântico, tanto que, em tempos recentes, versões mais amenas vêm sendo utilizadas [5] [6].
Lembro com carinho dos saudosos tempos em que eu tinha uma fita de videocassete (sim, sou velho) em que o famoso palhaço Carequinha narrava que Dona Baratinha, rica e casadoira que só, gritava à janela: “Quem quer casar com Dona Baratinha, que é ótima dona de casa e tem dinheiro na caixinha?” Como propaganda é a alma do negócio, choveram pretendentes na horta do inseto. Mas Baratinha, seletiva, queria um consorte que fosse silencioso à noite, para não perturbar o sono da futura prole. Assim, perguntava a cada um: “Como é que você faz à noite?”. O burro, o cachorro, o gato, o bode e tantos outros animais passaram pela janela de Dona Baratinha, mas foram reprovados devido aos sons que emitem. A donzela logo tratava de despachá-los com um “Assim não é possível! Com esse barulho todo, coitadas das criancinhas…”
Até que aparece em cena Dom Ratão. Todo galante e silencioso, ele conquistou o coração da noivinha. Casamento marcado, geral convidada, festança, comilança, só alegria. Porém, rato é rato e o noivo, esfomeado, acabou caindo na panela do feijão. Pensando bem, é melhor ficarmos com o final alternativo.
[1] https://faunanews.com.br/2021/10/20/a-senhora-dos-insetos/
[2] https://jgeekstudies.org/2017/10/06/arthropod-diversity-in-pokemon/
[3] https://www.letras.com.br/cantigas-populares/borboletinha
[4] https://www.letras.mus.br/cantigas-populares/983976/
[5] https://www.youtube.com/watch?v=erpG87HVxgM
[6] https://www.santos.sp.gov.br/?q=file/76968/download&token=7ZYyljTf
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