Dentre os dinossauros, um grupo em particular chama a atenção por ser um tipo de “tanque de guerra” com patas: o clado Ankylosauria ou anquilossauros, como são popularmente conhecidos. Os anquilossauros despertam grande curiosidade por apresentarem uma extensa couraça corporal, formada por placas dérmicas chamadas osteodermes. Essas estruturas têm uma grande variedade de formas e tamanhos, podendo formar longas placas verticais (como no parente distante, o Stegosaurus), se fusionando em escudos, se alongando em espinhos e até mesmo fazendo parte das famosas clavas nas pontas de suas caudas, chamadas de clavas caudais.
A presença, formato e microestrutura dos osteodermes são importantes para a classificação dos anquilossauros, sendo tradicionalmente divididos em dois grupos: os Ankylosauridae e os Nodosauridae.
Os anquilossaurídeos eram predominantes no Hemisfério Norte do planeta, na antiga massa continental denominada Laurásia. Dentre as principais características nos osteodermes, se destacam a ocorrência das já mencionadas clavas caudais e, na microestrutura, a presença de uma camada compacta mais espessa na base e um revestimento superficial de fibras estruturais (resquícios da ancoragem de um osteoderme ao outro e à pele do animal). Já os nodossaurídeos ocorriam no Hemisfério Sul, abrangendo a massa continental do Gondwana. Eles são mais caracterizados por espinhos corporais, escudos pélvicos e, na microestrutura, seus osteodermes apresentam uma camada basal compacta fina ou ausente e suas fibras estruturais ocupam toda sua extensão e são altamente organizadas (ortogonalmente).
Mesmo os osteodermes sendo tão importantes para o entendimento e a classificação do grupo, pouco se sabe sobre seu desenvolvimento ao longo do crescimento do animal, assim como a história evolutiva dessas couraças e quais funções elas desempenhavam. Dentre as várias hipóteses, a principal é a que essas couraças formavam armaduras corporais, conferindo proteção contra predadores.
Novidades da Antártica
A descoberta de osteodermes isolados de anquilossauros da Antártica veio a fornecer algumas pistas sobre a funcionalidade dessas estruturas. Esses fósseis foram cortados em fatias e, uma vez inseridas em lâminas de microscópio, foram polidas até serem visíveis em um microscópio ótico. Com isso, a microestrutura desses fósseis revelou características compatíveis com o encontrado nos anquilossauros Nodosauridae, sendo o registro de anquilossauro mais ao sul, juntamente com a única espécie registrada para a Antártica (Antarctopelta oliveroi). Tendo identificado esses osteodermes, surgiu outra pergunta: como esses anquilossauros conseguiram chegar tão ao sul?
Comparando a microestrutura dos nodossaurídeos e Antarctopelta, vimos que o padrão de fibras estruturais organizadas forneceria mais pontos de ancoragem entre as placas de osteodermes. Isso conferia uma resistência compatível com o que se espera de uma armadura. Porém, chamou à atenção as cavidades e alta densidade dessas placas. Tendo exemplo os crocodilos e lagartos atuais, a funcionalidade de seus osteodermes são múltiplas e variam ao longo do desenvolvimento do animal. No caso de crocodilos, elas servem tanto para estocar cálcio para serem utilizadas no metabolismo (como colocar ovos), enquanto a função de proteção seria cooptada em indivíduos adultos. A microestrutura dos osteodermes de nodossaurídeos indica que, além de proteção, essas placas poderiam servir como reserva metabólica, o que seriam características decisivas para esses anquilossauros chegarem tão ao sul, em regiões polares, marcadas por invernos mais rigorosos e sazonais.
Referências
– Arbour, V.M. & Mallon, J.C., 2017. Unusual cranial and postcranial anatomy in the archetypal ankylosaur Ankylosaurus magniventris. FACETS 2: 764-794. https://doi.org/10.1139/facets-2017-0063
– Brum, A.S.; Eleutério, L.H.S.; Simões, T.R.; Whitney, M.R.; Souza, G.A.; Sayão, J.M.; Kellner, A.W.A., 2023. Ankylosaurian body armor function and evolution with insights from osteohistology and morphometrics of new specimens from the Late Cretaceous of Antarctica. Paleobiology: 1-22. https://doi.org/10.1017/pab.2023.4
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