Por Raul Rennó Braga
Biólogo, mestre e doutor em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente é professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisador colaborador do Laboratório de Análise e Síntese em Biodiversidade (LASB-UFPR). Atua principalmente com pesquisas relacionadas a ictiologia e a invasões biológicas.
aquaticos@faunanews.com.br
A bacia amazônica concentra a maior diversidade de peixes de água doce do mundo. O número de espécies conhecidas pela Ciência corresponde a aproximadamente 2.400. A boa notícia é que, comparativamente a outros ecossistemas de água doce do mundo, essa fauna ainda está em um bom estado de conservação. Já a má notícia é que parece que isso está mudando.
Com a crescente atividade econômica da região, as ameaças tendem a se intensificar, repetindo o padrão já visto em outros biomas do país. Dentre os principais impactos em andamento estão a modificação dos cursos d’água pela construção de barragens, fragmentação do habitat, desmatamento, mineração, introdução de espécies exóticas e a sobrepesca. Além dos impactos locais, não podemos deixar de citar as consequências das alterações climáticas. Podemos perceber que os peixes da região terão diversos desafios pela frente.
De uma forma geral, as regiões que sofrem os impactos de forma mais intensa são as bordas leste e sul da floresta amazônica, formando o chamado “arco do desmatamento”. Já a região oeste fica protegida pela falta de acessibilidade por estradas. Essa última é, então, de extrema importância para a manutenção da biodiversidade amazônica. A questão é que justamente essa porção tornou-se alvo de projetos de exploração de óleo e gás.
Sim! Isso mesmo. Uma proposta absolutamente antagônica à redução do uso de combustíveis fósseis. Em uma série de publicações, o renomado pesquisador do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) Philip Fearnside explica os projetos propostos e suas consequências para a região do rio Purus. Com o projeto de petróleo e gás da bacia Sedimentar do Solimões, milhares de poços serão perfurados em uma área de mais de 470 mil quilômetros quadrados, ou seja, aproximadamente um terço do estado do Amazonas. Com isso, estradas também poderão ser abertas (apesar de, ainda, não oficialmente), possibilitando também o desenvolvimento de outras atividades que certamente acarretarão mais desmatamento.
Mas do ponto de vista da fauna de peixes da região, quais devem ser as consequências?
Um dos principais riscos é o vazamento de óleo que eventualmente alcançam os corpos d’água. Águas próximas a poços de extração de óleo chegam a apresentar concentrações de toxinas relacionadas à hidrocarbonetos mais de 100 vezes acima da permitida pela legislação, inclusive sendo relacionada a problemas de saúde em humanos. A presença de óleo no ambiente aquático afeta os peixes, tanto diretamente pelo efeito da toxicidade quanto por reduzir a difusão de oxigênio na água. Com a expansão dessas atividades é esperado que a maior fauna de peixes de água doce do mundo sofra perdas irreversíveis em um curto período.
Eventos de contaminação na Amazônia peruana levaram, em 2014, a um evento de mortandade em massa dos peixes do rio Marañon. Como esses peixes fazem parte da dieta de, por exemplo, jacarés, aves e mamíferos, as modificações na teia alimentar desse ecossistema podem ser percebidas por muitos anos. É preciso ter em mente também que toxinas provenientes do óleo podem ser acumuladas nos organismos aquáticos e permanecer ao longo da cadeia alimentar, atingindo níveis mais altos nos animais do topo da cadeia.
Devido aos processos de bioacumulação (quando os compostos se acumulam em um organismo à medida que ele absorve ao longo de sua vida) e de biomagnificação (quando a concentração de uma substância passa a se elevar à medida que se acumula em níveis cada vez mais altos da cadeia alimentar), o consumo dos pescados pelas populações indígenas e ribeirinhas pode levar a problemas graves de saúde. Ainda considerando a mobilidade dos peixes e o longo tempo de acumulação, as consequências podem ocorrer em localidades muito distantes daquelas onde ocorreu o vazamento de fato.
Esperamos que a fauna de peixes amazônicos não tenha que lidar, no futuro, com mais uma forte pressão além das já em curso. Que projetos como esse não abram a porteira para depois “passar a boiada” com mais usinas e barragens além das já planejadas para a bacia. É de suma importância que projetos com tamanho potencial de impacto sejam divulgados, especialmente em tempos de forte desmantelamento dos órgãos ambientais brasileiros.
– Leia outros artigos da coluna AQUÁTICOS
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)