Por Karlla Barbosa
Bióloga, especialista em Tecnologias Ambientais, mestre em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutoranda em Zoologia. É coordenadora de projetos na SAVE Brasil, principalmente no Projeto Cidadão Cientista
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Possuímos uma necessidade inata de desenvolver uma ligação emocional com a vida e com os processos vivos, ou seja, de manter um contato próximo com o mundo natural. Essa tendência natural de nos voltarmos às coisas vivas é também conhecida como biofilia, termo que ficou popular após o livro de mesmo nome ser publicado por Edward Wilson em 1984.
Wilson acredita que essa ligação emocional evoluiu com nossa espécie, ou seja, está em nossos genes. Por outro lado, as sociedades modernas e a vida urbanizada que conhecemos hoje, com os conhecidos processos decorrentes, têm uma história muito recente na evolução da nossa espécie, por isso a nossa necessidade de conexão com o meio natural fala muito mais alto.
Essa relação pode não ser muito clara para algumas pessoas e é mais intensa em uns do que em outros. No entanto, estudos têm mostrado que essa desconexão com o mundo natural, em muitas situações, pode gerar transtornos de natureza física e mental, como eventos de estresse, ansiedade e depressão, o que Richard Louv denomina de síndrome de déficit de natureza (nature-deficit disorder, Louv 2005). Dessa forma, interações com a natureza parecem ser um elemento importante na qualidade de vida de pessoas que residem em centros urbanos.
Até mesmo as impressões sobre duração do tempo mudam entre quem está em um ambiente urbanizado e quem está em um área mais natural. Você já reparou que quando está num sítio ou em uma cidade pequena do interior, o tempo parece passar mais devagar? E que para visitantes de uma cidade grande, como São Paulo, parece que tudo está passando no modo acelerado? A urbanização muda nossa maneira de ver a vida e nos distancia do nosso natural, ou seja, da convivência em contato direto com a natureza.
Esse distanciamento do meio ambiente que temos observado nas últimas décadas nos isolou também dos prazeres das coisas simples e dos nossos instintos naturais, como saber quando vai chover, sentir o cheiro da chuva, colher uma fruta na árvore ou observar as aves.
A observação de aves não é só uma terapia antiestresse, mas é também:
– uma atividade física, principalmente quando é feita em parques ou trilhas;
– um aprimoramento dos sentidos, uma vez que demanda ouvir o canto das aves e/ou vê-las;
– um treino de paciência, quando se procura a melhor luz e o melhor ângulo para visualizar ou fotografar uma ave;
– e um grande auxílio para expandir a sua rede social real e fazer amigos, com os quais haverá um grande interesse em comum: a conservação das aves.
Neste momento em que muitos de nós estamos em isolamento e quarentena, o déficit de natureza fica ainda mais acentuado e sentimos mais claramente a falta do caminhar ao ar livre, de reencontrar os amigos para compartilhar bons momentos e de observar as aves, que continuam por aí nos esperando. Enquanto o dia de voltar a fazer tudo isso não chega, temos outras formas de manter a nossa reconexão ambiental, de estabelecer a ligação emocional que Wilson e Louv se referem e que está nos nossos genes.
Nesse momento, não deixe de observar a natureza que está ao seu redor, no jardim ou através da sua janela. Porque as aves estão em todos lugares e você pode, sem sair de casa, encontrar nelas o acalento que precisa para melhorar seu dia de hoje.
Referências
– Heerwagen, J. 2009. Biophilia, health and well-being. J.H: Heerwagen & Associates
– Louv, R. 2005. Last Child in the Woods: saving our chidren from nature-deficit disorder. Chapel Hill: Algonquin Books
– Wilson, E.O. 1984. Biophilia. Cambridge: Harvard Press
– Ulrich, R.S., Simons, R.F., Losito, B.D., Fiorito, E., Miles, M.A., Zelson, M. 1991. Stress recovery during exposure
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