Por Karlla Barbosa
Bióloga, especialista em Tecnologias Ambientais, mestre em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutoranda em Zoologia. É coordenadora de projetos na SAVE Brasil, principalmente no Projeto Cidadão Cientista
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Observar aves é…
…quando seu dia se enche de emoção por uma ave você observou.
…buscar por novos registros, faça chuva ou faça sol.
…comemorar um lifer.
…, de repente, ver aves estampadas em tudo.
Em resumo, eu diria que observar aves é olhar o mundo ao seu redor de maneira diferente.
Particularmente comigo, a observação de aves começou por acaso. Eu precisava fazer um trabalho da faculdade e um amigo, com quem eu trabalhava em uma distribuidora de ração para animais, me apresentou a equipe do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) do Parque Ecológico do Tietê, em São Paulo. Naquela ocasião, eu estava por iniciar o trabalho de conclusão de curso (TCC) da faculdade, mas ainda não tinha ideia do que fazer exatamente.
Foi então que o pessoal do Cras sugeriu que eu fizesse o levantamento de aves do parque, pois era uma demanda que eles tinham. Bom, eu tive que aprender a diferença entre um pardal e um tico-tico, de uma pomba-asa-branca para um pombo-doméstico e por aí vai. Na época, não existiam aplicativos e smartphone era uma novidade; mesmos os guias de campo eram poucos. Comprei meu primeiro livro (Guia de Campo – Aves da Grande São Paulo) e tive ainda a sorte de ter a ajuda de um biólogo que trabalhava no Cras, o Gabriel Cardoso. Comecei os trabalhos de campo e percorri as trilhas do parque por meses, duas a três vezes por semana. Eu tinha que aprender quem era quem, além de ter uma lista robusta das espécies. Após um ano de trabalho, em 2005, eu concluí meu TCC e minha primeira lista de aves.
De lá para cá, não se passou tanto tempo assim, mas muita coisa mudou. O suporte que temos atualmente de sites, livros, aplicativos e da internet de uma forma geral facilitou muito a identificação das espécies e, de certa maneira, pode até ter acelerado o nosso aprendizado sobre as aves. Além disso, cresceu o número de clubes de observadores de aves e de grupos de identificação nas redes sociais, já que hoje a observação de aves não é feita apenas por biólogos, mas também por pessoas dos mais diferentes níveis de conhecimento e profissões.
Mas o que torna uma pessoa um observador de aves? Você se considera um observador de aves?
Antes de responder, lhe faço mais perguntas: você coloca bebedouro para beija-flor ou comedouro para passarinhos? Você já mandou foto para um amigo que entende de aves falando que você a viu e perguntando se ele sabe qual é? Você já ficou olhando os pais passarinhos alimentando seus filhotes?
Se você respondeu sim para uma ou mais perguntas, você é um observador de aves ou está muito propenso a ser um!
Observador de aves é todo mundo que observa, seja qual for o nível ou objetivo. Às vezes, não sabemos identificar e tudo bem por isso! Esse é um aspecto que vamos aprendendo com o tempo e essa habilidade será sempre fruto da prática. Assim como tudo que fazemos várias vezes, isso torna-se um hábito, vamos aprendendo mais e acrescentando informações nos nossos arquivos mentais.
Observar aves é também fazer sua própria coleção de figurinhas, ou melhor, coleções de fotos e sons (cantos das aves); é fazer listas das espécies observadas; é ter lifers (espécie observada, em vida livre, pela primeira vez); e é compartilhar com os amigos.
Mas se você nunca observou aves na natureza, como começar?
Comece pelo mais fácil, observe as aves que estão perto de você, na sua casa, na praça ou no parque urbano. Nesse contexto, você já vai se surpreender com a diversidade que é possível observar. Se morar em uma área muito urbana, a lista pode chegar a 15 ou 20 espécies – eu cheguei a mais de 30 espécies na minha casa, na zona leste de São Paulo. Quando você for a um parque urbano, já vai conhecer essas 15 espécies, que provavelmente são as mais comuns, e então irá adicionar mais algumas na sua coleção de figurinhas mentais ou fotográficas. Num parque urbano, como o Ibirapuera, em São Paulo, é possível encontrar mais de 100 espécies de aves. Depois que você passa essa fase, pode buscar os registros de outras espécies mais raras. E se prepare, pois no Brasil temos 1.919 espécies de aves, um universo de cores, formas e sons que, com certeza, vão lhe encantar.
Observar aves é acordar cedo! Essa é uma afirmação verdadeira, mas em parte. Realmente, o melhor horário para observação é do nascer do sol até as 9 ou 10 horas. Porém, se você está começando, não precisa ser tão rigoroso e observe nos horário que se sentir mais à vontade. A vantagem das áreas urbanas é que as aves ficam ativas por mais tempo durante o dia.
Observar aves é ter uma lista de nomes das espécies na cabeça. Ok, temos várias espécies, mas confesso que decorar nomes nunca foi meu forte, apesar de hoje eu conseguir identificar inúmeras. Então, não se prenda apenas a decorar nomes, mas observe a ave e repare nos detalhes, onde estão as cores, qual é o formato do bico, tamanho do animal, onde ela estava no ambiente (na árvores? no chão? em que altura da mata?) e qual seu comportamento (ela se move andando? Pulando? Estava sozinha ou em grupos?). Detalhes podem passar despercebidos mesmo para os mais experientes, então aproveite o tempo com a ave e a observe.
Observar aves é escutar o som da natureza. Preste atenção na melodia que cada ave produz e nas diferentes vocalizações, pois elas produzem sons diferentes para cada comportamento, como sinais para conquistar a fêmea, enfrentar o inimigo ou mesmo apenas mostrar que está ali e que o território é dele. Com o tempo, você vai conseguir identificar as aves apenas pelo som, pode confiar. E isso ajuda muito, porque em alguns lugares de mata mais fechada a única forma de você saber que uma ave está presente será pela vocalização que vai ouvir.
Observar aves é sair munido de câmera e binóculo. É claro que eu poderia falar que você precisa de um binóculo bom e uma câmera super zoom ou profissional. Sim, binóculos ajudam a ver detalhes das aves e a ter uma visão melhor do que ela está fazendo. Mas esse pode ser um investimento de longo prazo e que vai sentir a necessidade no seu tempo. No começo, você pode fazer sem esse apoio, a olho nu, por exemplo.
Para identificar as espécies, utilize livros guia de campo. Hoje em dia existem muitas boas opções nas lojas on-line e físicas, sendo possível encontrar até guias de identificação por região, o que restringe o número de espécies possíveis de serem encontradas e torna mais fácil de identificá-las. Além disso, a tecnologia do celular está a nosso favor nessas horas e o aplicativo Merlin pode ajudá-lo muito. Esse aplicativo é gratuito e, além de ser um guia de bolso com fotos, mapas de distribuição, sons e um pequeno texto por espécie, ele auxilia a identificar. Isso pode acontecer de duas formas: respondendo algumas perguntas que o aplicativo faz sobre a ave observada ou através de identificação de uma foto que você tirou, baixou ou recebeu por aplicativos de mensagem.
Observar aves é se vestir todo camuflado. Se vestir com roupas camufladas é uma questão de estilo, mas não uma exigência. No entanto, quando você for observar aves em um ambiente natural, é importante usar roupas de cores discretas para não chamar a atenção das aves (lembre-se, elas enxergam muito bem). Nas áreas urbanas, as aves permitem uma maior aproximação, mas em áreas de baixa circulação de pessoas as cores podem ser um problema. Além disso, para conseguir melhores registros, faça o máximo de silêncio que conseguir e respeite o espaço das aves, não perturbando ninhos e não as deixando incomodadas ou estressadas. Você ou algum amigo pode querer voltar lá para ver esse animal novamente, então trate-o com carinho para ele sentir confiança no ser humano e continuar por ali.
Observar aves é preparar-se para a passarinhada. Você pode se preparar e estudar em casa, por meio de consultas a sites especializados, como o Wikiaves e o eBird. Nessas plataformas existem maneiras de fazer buscas por espécies filtrando por localidade, o que possibilita ver quais já foram observadas na sua cidade ou região. Mas se você está começando agora e gostaria de ajuda na identificação de uma espécie por meio de fotos que você tirou, entre em grupos no Facebook. Existem muitos grupos de identificação de aves e os usuários costumam ser muito solícitos em ajudar.
Uma última, mas não menos importante, dica que eu daria: faça listas de espécies. Registre as espécies que você observa, ainda que sejam as mesmas espécies comuns de sempre. Mas sempre registre. Pode ser numa caderneta de campo ou mesmo no celular. Isso vai lhe ajudar a aprender cada vez mais e se você postar essas listas no eBird, por exemplo, estará ainda contribuindo com a ciência e poderá se considerar ainda um cidadão cientista.
Mas vamos deixar esse assunto tão bacana, que é a ciência cidadã, para uma próxima vez.
E faço aqui um último aviso: observar aves é um caminho sem volta. Depois que pegamos o gosto por essa atividade e começamos nossa lista pessoal de espécies (que chamamos de lifelist), queremos aumentar cada vez mais nossa coleção de espécies observadas e/ou fotografadas. No entanto, fique tranquilo porque você não vai sofrer com isso. Pelo contrário, vai se sentir muito mais conectado com a natureza e ter momentos memoráveis próximo dos passarinhos.
Boa observação de aves! Ou, como costumamos dizer: boa passarinhada!
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