Thamyris Viana dos Santos
Bióloga, mestre em Ciências, especialista em bem-estar de animais silvestres e exóticos. É técnica ambiental do Ibama, atuando no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Distrito Federal.
Comportamento pode ser definido como as ações realizadas ou não realizadas por um indivíduo (DEL-CLARO, 2010). Seu estudo é realizado em várias áreas, como Biologia, Psicologia e marketing. Ao observar o comportamento, podemos criar propagandas que incentivem os consumidores a comprar, desenvolver atividades que estimulem ações desejáveis em animais ou até compreender o ciclo de acasalamento de uma espécie.
No condicionamento animal é crucial entender o comportamento da espécie-alvo. Isso permite a implementação de práticas de manejo adequadas, tanto em ambientes naturais quanto em cativeiro, levando em consideração a biologia da espécie. Além do comportamento, a emoção também desempenha um papel importante no condicionamento.
A emoção pode ser definida como uma condição complexa e momentânea que surge em experiências de caráter afetivo, provocando alterações em várias áreas do funcionamento psicológico e fisiológico, preparando o indivíduo para a ação (MIGUEL, 2015). Partindo dessa prerrogativa, podemos inferir que as emoções têm e, ao mesmo tempo, são gatilhos para a expressão de determinados comportamentos, podendo ser induzidas e alteradas.
Ao lidar com animais, esses dois conceitos são essenciais em termos de condicionamento: bem-estar e entendimento da biologia da espécie.
O condicionamento animal é um tipo de aprendizagem que, normalmente, é realizado por meio da administração de recompensas dadas ao indivíduo que apresenta uma resposta comportamental desejável (COE, 2003).
Há dois tipos de condicionamento: o clássico e o operante. O condicionamento clássico é um tipo de aprendizado associativo que corresponde a um processo de alteração do comportamento do indivíduo, que acontece a partir de interações com estímulos do ambiente (OLIVEIRA et al, 2020).
Um exemplo disso é quando os cães salivam naturalmente ao comer algo. Se, repetidamente, um estímulo ambiental, como tocar a campainha, for associado à oferta de alimento, o cão automaticamente começará a salivar sempre que a campainha tocar, pois irá fazer a associação de que será oferecido alimento.
No condicionamento operante, o organismo se comporta de maneira a produzir mudanças em seu ambiente. Isso significa que os comportamentos podem ser aumentados ou diminuídos. Por exemplo, se um animal tem dificuldade em se aproximar, através do condicionamento operante ele pode reduzir esse comportamento e começar a exibir o comportamento de aproximação.
Existem várias abordagens no condicionamento operante e é fundamental compreender a biologia, histórico e requisitos específicos da espécie-alvo antes de elaborar um projeto. É importante ressaltar que cada indivíduo tem suas particularidades. Portanto, é essencial considerar isso ao iniciar e durante a execução de um projeto de condicionamento.
Uma das técnicas mais utilizadas envolve o uso de reforço, que pode ser positivo ou negativo. Para Skinner (1938), reforço é a consequência de um determinado comportamento, que fará com que ele tenha maiores probabilidades de repetir-se. No condicionamento operante, um reforço é utilizado contingente a uma resposta para fortalecê-la.
Em instituições que mantêm e manejam animais, o uso do condicionamento é de extrema importância, pois quando bem utilizado favorece o manejo animal como um todo, desde ações para alimentação ao acompanhamento clínico. Em mantenedores de fauna, como zoológicos, o condicionamento animal é bastante utilizado e tem seu uso estabelecido e reconhecido. Segundo Pizzutto (2017), o condicionamento operante é uma ferramenta importante no manejo de animais selvagens cativos e tem sido muito utilizada no dia-a-dia de zoológicos e aquários como forma de oferecer resultados benéficos ao espécime e ao manejo.
Os centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras) também utilizam do condicionamento durante a permanência dos animais em suas unidades. Apesar de causar estranheza em muitas pessoas, esse uso é viável e deve ser estimulado, não sendo restrito somente às instituições em que os animais sejam residentes permanentes.
É importante entender que o condicionamento não é uma domesticação. São técnicas utilizadas para que o animal apresente um comportamento desejável para facilitar o manejo, a rotina e a reabilitação.
Um ponto importante dentro dos Cetras é a triagem e a avaliação de animais que possuem chance de retorno à natureza e daqueles que não apresentam mais esse perfil. O condicionamento de determinado animal vai ser estruturado e planejado de acordo com o perfil apresentado e, por consequência, a destinação daquele indivíduo. Para isso, os Cetras possuem requisitos que definem e estabelecem quais animais possuem chance de retorno ao ambiente silvestre e quais necessitam ser encaminhados a mantenedores de fauna.
Dessa forma, animais cujo perfil seja a destinação para cativeiros terão seu condicionamento planejado para algo que permita melhorar a vida do animal no contexto do cativeiro. Um exemplo é permitir a aproximação e apresentação de um membro para realização do toque, seja para retirada de amostra de sangue, avaliação física ou troca de curativo, como podemos ver nas imagens a seguir.
Cabe ressaltar que, nesse tipo de situação. o condicionamento permite uma aproximação maior com o ser humano, tendo em vista que serão animais cativos e que necessitam de mais avaliações, intervenções e manejo humano durante sua vida.
O condicionamento realizado com o bicho-preguiça permitiu que a ação da troca de curativo, que poderia ser algo extremamente estressante, ocorresse da maneira mais simples e com menor impacto ao bem-estar do animal. Como era uma situação de longa duração, pois a cicatrização do caso exigia tempo, se fosse feita a contenção do animal todo dia ou até mesmo fossem usados anestésicos, a chance de causar estresse no animal era maior. Com o condicionamento, ele deu acesso ao braço para realizar a troca de curativo de maneira segura para ambos, com menor estresse, o que contribuiu para a reabilitação do espécime.
Nos casos em que as sequelas do ferimento não sejam impeditivas para o retorno do animal ao ambiente silvestre, depois da recuperação total um condicionamento voltado para distanciar o animal da presença humana deve ser realizado. Por isso é importante acompanhar o animal na chegada, durante o tratamento e depois para avaliação e adequação do condicionamento de acordo com a necessidade que o caso e o espécime exijam.
Animais cujo perfil apresentam a possibilidade de soltura como destinação final têm seu condicionamento planejado para a manifestação de comportamentos desejáveis à soltura, como busca de abrigo, reconhecimento de ameaças, reconhecimento de presas e desenvolvimento de habilidades necessárias para a sobrevivência no ambiente silvestre.
Um animal cativo também deverá ser estimulado a apresentar seus comportamentos naturais como, por exemplo, a caça, que pode ser feito através de enriquecimentos ambientais. Porém, em cativeiro, saber caçar não será uma questão de sobrevivência quando comparado a um animal que será devolvido a natureza e não tem sua dieta garantida, como os cativos. Por isso, é importante planejar um condicionamento com sua frequência de acordo com a necessidade que a destinação exigirá ao espécime.
Há condicionamentos que são mistos, pois são utilizados em ambos os perfis, porém com frequências diferentes. É o caso da pesagem dos animais (imagem do alto da página), cujo acompanhamento faz parte da avaliação do desenvolvimento do animal.
Há condicionamentos cujo objetivo são voltados para melhorar qualidade do transporte do animal, como a entrada nas caixas de transporte e a hidratação durante o percurso.
Tal condicionamento é essencial para evitar o estresse de captura que seria proporcionado, por exemplo, em uma tentativa por meio de cambão (espécie de laço com uma barra rígida). Esse mesmo condicionamento foi usado para o transporte de espécimes de veados. Condicionar os animais dessa forma foi importante para evitar a miopatia de captura, ou seja, a morte por estresse extremo, que ocorrem em cervídeos.
Cabe ressaltar que o tempo para aplicar esse condicionamento varia de espécie para espécie e que seu início deve ser próximo da data de soltura, no caso dos que irão retornar à natureza. A técnica pode ser iniciada mais cedo nos espécimes cuja destinação são os mantenedores de fauna. Todos os animais que passaram por esse condicionamento tiveram sucesso no transporte.
O condicionamento animal pode ser extremamente benéfico, principalmente por ser uma atividade em que a participação do espécime é voluntária. Quando ele participa, pode haver redução no tempo de reabilitação, além da geração de estímulos físicos e mentais através dos desafios apresentados, diminuindo os riscos de o animal apresentar comportamentos estereotipados. Através dessas técnicas, a frequência dos comportamentos podem ser aumentadas, diminuídas ou até estimuladas a surgir, permitindo um manejo mais seguro e contribuindo para o bem-estar dos animais.
É importante ressaltar que o aspecto humano dentro do programa de condicionamento animal tem um impacto significativo nos resultados obtidos. A competência, o conhecimento e a sensibilidade do profissional são fundamentais para o sucesso e a efetividade do programa.
Em resumo, o conhecimento da biologia da espécie focal do projeto de condicionamento é fundamental para personalizar as técnicas utilizadas, garantir o bem-estar dos animais, promover a segurança e aumentar a eficiência do processo, sendo viável de aplicação em toda instituição que maneje animais que busque o bem-estar dos mesmos.
Referências:
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