Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
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Como sabemos, diversas são as dificuldades relacionadas ao tema “tráfico de animais”. É difícil defini-lo, assim como identificar suas principais causas e, consequentemente, combatê-lo – já que são diversas as motivações. Dessa forma, este mês pretendi realizar uma análise por outra lente, tentando analisar o comércio ilegal de fauna como um campo, não físico, mas como um espaço abstrato. Nele, diversos atores e agentes realizam ações, tendo o tráfico como núcleo ou, ao menos, como influenciador de suas atividades.
Minha intenção aqui não é partir para uma discussão teórica sobre a “Teoria dos Campos”, como fizeram Bourdieu (2005) e Flingstein e McAdam (2012), mas somente tentar identificar atores e agentes que movem essa atividade ilícita e como até mesmo os bens intencionados interferem, favorecendo-a ou desestimulando-a.
Tradicionalmente, entram como atores e agentes do tráfico de fauna três categorias de pessoas: as que retiram os animais da natureza, aquelas que realizam o transporte e o comércio (intermediário) e o consumidor final, que armazena ou mantém em cativeiro o espécime. Mas será que somente essas pessoas são os envolvidos na cadeia do tráfico?
Por óbvio que não. Essas três, podemos dizer que compõe o núcleo do campo “tráfico de animais”. Mas não podemos esquecer que interagem diretamente com ela outros agentes e atores, interferindo positivamente ou negativamente para o fortalecimento ou enfraquecimento da atividade do campo, como podemos ver a seguir.
Dentre os atores que mais influenciam esse campo, temos a família. Se seus membros começam, dentro de casa, a desincentivar o tráfico de animais, há uma grande propensão de abandono da atividade. Também os órgãos de fiscalização (Polícias Militares Ambientais, Ibama, ICMBio, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal), que com suas ações preventivas e repressivas desencorajam essa atividade ilícita mediante a coerção (risco de prisão e multa).
Outros atores terão peso importante também no campo, mas dependem de qual lado estarão, se o do incentivo ou o do desestímulo. É o caso da mídia, que pode desestimular, como o Fauna News, ou apoiar, como as matérias jornalísticas que reforçam a relação homem-animal silvestre. O mesmo acontece com atores políticos, que podem apoiar uma legislação mais rigorosa ou mais branda em relação ao combate ao tráfico.
Um agente interessante nesse campo, e que possui uma grande habilidade social, é o “criador comercial”. Ele aparece como um elemento híbrido, pois ao mesmo tempo que combate o tráfico ilícito, uma vez que cria concorrência com seus produtos (animais), por outro tem total interesse na permanecia do desejo das pessoas na compra e venda de fauna silvestre. Dessa forma, é um agente que possui relação direta com todos os demais atores e agentes e que se move visando a manutenção do status quo.
Sei que posso ter “viajado” um pouco nas discussões e que poderia me alongar nos exemplos de atores e agentes com potencial de interferir nesse campo. Mas o mais importante foi conseguir compartilhar esta análise para facilitar o entendimento da complexidade do assunto e do quanto qualquer alteração a curto prazo não é fácil, pois envolve diretamente diversos atores e agentes que possuem objetivos específicos e que até podem mudar de lado, dificultando ainda mais qualquer alteração no campo do “tráfico de animais”.
Referências
– BOURDIEU, Pierre. O campo econômico. Política & Sociedade, v. 6, n. 6, p. 15-58, 2005.
– FLIGSTEIN, Neil; McADAM, Doug. The Gist of It. A theory of fields. Oxford University Press, 2012. P. 3-33
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
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