O tráfico de animais é um problema estrutural. É possível vencer?

Como já trouxe em outras discussões, não existe uma receita mágica para combater o tráfico de animais, haja vista sua grande diversidade de motivações e formas, além do seu forte caráter cultural. Entretanto, acredito que uma combinação de ações institucionais e sociais pode ser essencial para reduzirmos esse problema estrutural que tanto impacta nossa fauna.

Do ponto de vista imediatista, o caminho é manter e intensificar as ações de fiscalização, prendendo os traficantes e apreendendo os animais. Mas não podemos esperar que essa fase se encerre no momento da retirada dos espécimes das mãos do infrator, pois o verdadeiro problema se inicia logo após a apreensão, seja no tocante ao animal em si, seja em relação ao traficante.

A realidade pós apreensão

Em relação ao animal apreendido, quando não é o caso da soltura imediata e há vagas nos locais adequados para a destinação dele, verificam-se os problemas estruturais que muitos centros de triagem e reabilitação (Cetras) enfrentam, como falta de recepcionários e equipamentos adequados, pessoal e mantimentos para dar o ideal atendimento. Infelizmente, alguns espécimes chegam a óbito nesses locais, mesmo após empenho e trabalho incessante das equipes desses centros, que muitas das vezes estão atuando em seu limite.

Após o tratamento e reabilitação desses animais, encontra-se o próximo problema latente nos casos pós apreensão: para onde encaminhar os espécimes aptos para a soltura? Há locais homologados e capazes para receber essa gama de animais readaptados? Lembrando que somente no estado de São Paulo são apreendidos, somente pela Polícia Militar Ambiental, mais de 20 mil animais silvestres todos os anos. A falta de locais adequados para solturas (ASMF) pode fazer, infelizmente, os centros de triagem e reabilitação se tornarem locais de manutenção em cativeiro de indivíduos aptos à vida livre.

Legislação contra o tráfico de animais

Atrelado aos problemas enfrentados no pós apreensão, temos os associados ao traficante, que ainda se vale das penas irrisórias para as ações relacionadas ao comércio ilegal de fauna. O tráfico de animais, por ser um crime de menor potencial ofensivo (pena inferior a dois anos), não prevê a prisão em flagrante delito, apenas cobrando que o infrator se comprometa a se apresentar em juízo e permitindo que ele saia em liberdade da delegacia.

O que poderia ser revertido em prisão após o processo penal, raramente ocorre, uma vez que quase nunca chega a julgamento. O Ministério Público acaba propondo ao traficante um termo de ajustamento de conduta (TAC), que popularmente é conhecido como “pagar uma cesta básica”, proposta essa quase sempre homologada em juízo.

Importante reforçar que não faço uma crítica aos órgãos da Justiça, uma vez que eles têm por obrigação fazer cumprir as leis. Essas sim é que são brandas não somente em relação às penas, mas também nas formas processuais, que acabam por beneficiar esses indivíduos que tiram seus lucros em cima da vida de animais silvestres.

Se quisermos combater de fato o tráfico de fauna, após seu cometimento, temos que repensar em todo o arcabouço penal e processual penal ambiental, para não só termos penas mais duras, mas que elas possam ser aplicadas de fato aos transgressores da lei. Ou continuaremos na eterna e desesperada luta para tirar animais silvestres todas as vezes das mãos dos mesmos criminosos.

Sobre os animais vítimas do tráfico, devemos repensar em toda a estrutura estatal de recebimento, tratamento e reintrodução desses animais. Infelizmente, gastamos muitos recursos na fiscalização e recepcionários primários desses animais, mas não concluímos a cadeia de reintrodução, pois não garantimos locais apropriados para eles serem soltos na natureza.

O ideal seria que toda essa estrutura esteja preparada, mas não precise ser usada. A verdadeira mudança necessária, e onde nosso maior investimento deveria ser alocado, é na prevenção desse delito. Educação ambiental de qualidade, ampla e para todas as idades, apresentando a todas as pessoas a importância dos animais silvestres em vida livre, seja no discurso mais antropocêntrico, como o dos animais realizando serviços ecossistêmicos para melhorar a vida humana, seja para o mais biocêntrico, que acredita no valor da vida e da liberdade de todos os serem vivos.

De fato, não importa qual corrente cada um se alinha ou defenda. O que realmente importa é que devemos trabalhar cada vez mais pela proteção da liberdade dos animais silvestres.

Sabemos que não é uma missão fácil, e nem rápida, mas se não enfrentarmos esses problemas estruturais, o combate ao tráfico de fauna será sempre apenas a contabilização, ano após ano, de quantos animais foram apreendidos pelas ações de fiscalização, quantos morreram e dos motivos pelos quais não alterarmos esses números.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es).