Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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No período de inverno, além da queda da temperatura, áreas de Mata Atlântica ficam muito mais secas e a quantidade de alimentos diminui. Tudo isso contribui para afetar as chances de sobrevivência de animais destinados para soltura.
Mas se as solturas diminuem ou não ocorrem devido a fatores sazonais, como a chegada do inverno, o que pode ser desenvolvido nas áreas de soltura?
Uma das ações mais valiosas é promover a mobilização sobre as questões que afetam a fauna silvestre. Mas mobilização de quem e para o quê?
Além das baixas temperaturas e da estiagem, o inverno é uma época do ano em que o turismo é bastante expressivo. A principal forma de deslocamento dos turistas é o rodoviário, consequentemente, atropelamentos de fauna passam a ser o ponto central das preocupações de quem promove conservação da biodiversidade. No entanto, apesar da importância desse tópico e das campanhas feitas para disciplinar o trânsito mais intenso, especialmente nos fins de semana, esse problema segue aumentando.
Uma das principais razões para esse estado de coisas é a não criminalização para atropelamentos de fauna e, mesmo se houvesse de fato uma forma de punição aos motoristas, não temos fiscalização adequada – ainda mais em áreas de Mata Atlântica, bastante fragmentadas e quase todas cortadas por rodovias. Um outro aspecto que também impede a atuação direta para a mitigação desse terrível problema é a falta de passagens de fauna e cercas direcionadoras.
O código de trânsito brasileiro prevê a instalação de placas de sinalização para passagem de fauna nas rodovias brasileiras. Sabe qual é? É aquela com um cervo europeu. As placas, além de não fazerem uma clara evocação da fauna silvestre que poderia cruzar aquele trecho, muitas vezes estão colocadas em áreas de difícil redução de velocidade para os motoristas em rodovias expressas, que ainda por cima são delimitadas por muretas de concreto ou gabiões, com altura superior a um metro. Ou seja, caso algum animal de nossa fauna tente atravessar onde a placa indica, seguramente será atropelado. A impressão que sempre tenho é que as placas de sinalização de fauna silvestre foram colocadas só para cumprir tabela, sem nenhuma preocupação de fato com a ação de coibir atropelamentos.
Outra questão é que as estatísticas disponíveis e confiáveis sobre diferentes rodovias só são encontradas em trabalhos científicos, que não são de acesso geral da população e nem abordam a problemática em todas as rodovias brasileiras. Portanto, não há como fazer uma correlação clara entre melhora de sinalização e locais com maiores chances de atropelamento de fauna. Ou seja, o problema só aumenta.
Mas e as áreas de soltura, o que têm a ver com isso?
Imagine, caro leitor, cuidar de um gambá todos os dias por três meses, soltar o animal e, pouco depois, recolher o mesmo animal com múltiplas fraturas na bacia e no fêmur? Ou cuidar de um bebê de coruja-do-mato para depois recolher o animal esmagado no asfalto? Porque parece que além de atropelar, as pessoas continuam passando com o carro por cima do animal mesmo depois de morto.
Mas o que fazer? Colocar placas de sinalização nas rodovias, na proximidade das áreas de soltura?
A colocação de placas é regida por normas técnicas específicas e legislação nos diferentes níveis hierárquicos. Portanto, não dá para sair por aí colocando placas de sinalização sem licença e fora das normas. Além disso, parece que quando existe um excesso de sinalização, os motoristas se dessensibilizam e passam a ignorar as informações contidas nelas. Um caso clássico é quando o motorista para o carro e larga um cachorro exatamente ao lado da placa “Abandono de animais é crime! Não abandone seu animal de estimação!”. Tem até gente que abandona animal doméstico na área de soltura, sinalizada como área de soltura! O cara deve imaginar: “área de soltura… Hum… Vão cuidar do “meu” cachorro.”
Daí volto ao início do artigo de hoje: mais importante do que tudo é manter a discussão viva e olho no foco do problema, isto é, na falta de cuidado que temos com a nossa fauna! Ainda não entendemos, como nação, o valor e a importância que tem a nossa fauna. Ainda não entendemos que nossa sobrevivência depende da sobrevivência deles. Ainda não entendemos que floresta sem bicho não é floresta.
E você que me lê, procure lembrar que qualquer animal conta. Seja uma rã, um camundongo ou um humilde gambá, todos são importantes para garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, nosso direito fundamental, exatamente como está escrito na Constituição.
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