Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
O que os observadores de aves perdem com as mudanças climáticas?
Estamos vivendo um período de reflexão sobre os impactos que nossos atos podem causar ao planeta e a todos os seres que nele vivem. No mês de novembro, tivemos o encontro da COP 26, em Glasgow, na Escócia, onde reuniões, discussões e acordos tiveram como foco mitigar os efeitos das mudanças climáticas e reverter o que for possível. Segundo a ONU, esse é um momento crucial, pois as mudanças climáticas estão atingindo diferentes regiões do planeta e são necessárias ações urgentes.
Mas a observação de aves tem relação com as mudanças climáticas?
Eu diria que muito, já que podemos perder a possibilidade de observar muitas espécies e a prática da ciência cidadã pode ajudar a entender como as aves estão reagindo às mudanças climáticas.
Todos os anos, as aves passam por fases que demandam energia: proteger um território, encontrar um parceiro, reproduzir, criar o filhote e mudar de penas, sendo que as migratórias ainda têm o gasto energético das viagens. E grande parte do ciclo de vida e do comportamento de uma ave está intimamente ligado a sinais do ambiente, como as mudanças das estações, frutificação, temperatura, umidade etc. É como se elas tivessem um relógio biológico de engrenagens movidas por esses indicativos dos ecossistemas. Assim, quando o ambiente é alterado, as aves são afetadas e, dependendo do caso, a mudança pode ser suficiente para levar uma espécie a desaparecer por não conseguir se adaptar ao novo cenário.
Um dos efeitos dessas alterações sobre as aves está na reprodução, com algumas espécies já alterando a data da postura dos ovos. As aves estão pondo seus ovos mais cedo, a uma taxa média de 6,6 dias antes por década. As andorinhas (Tachycineta bicolor) na América do Norte estão nidificando até nove dias mais cedo do que há 30 anos e isso está relacionado ao aumento médio das temperaturas na primavera.
As aves migratórias são particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas porque dependem de vários habitat e locais. As alterações no clima podem ser um dos principais fatores que estão alterando o tempo de migração das aves, sendo que algumas estão antecipando a viagem. Um estudo de 63 anos de dados para 96 espécies de aves migrantes no Canadá mostrou que 27 alteraram suas datas de chegada significativamente, com a maioria chegando mais cedo. Essa mudança segue o mesmo padrão do aquecimento das temperaturas da primavera.
A partida das aves para regiões onde passam o período de descanso reprodutivo, no outono, também está sendo alterado. Um estudo com 13 espécies norte-americanas indicou que seis atrasaram suas datas de partida devido ao aquecimento global.
As distribuições das espécies também estão mudando. Esses animais podem mudar para os polos ou para altitudes mais elevadas para permanecer com suas temperaturas ideais à medida que o clima muda. Um estudo com 35 espécies de aves migratórias norte-americanas descobriu que o intervalo de ocorrência de sete delas mudou significativamente para o norte nos últimos 24 anos, em uma média de 104 quilômetros. Nenhuma das espécies mudou para o sul.
Aqui no Brasil, um estudo mostrou que espécies de sabiás migratórios podem ter sérios problemas com adequações ambientais. Eu já comentei sobre essa pesquisa no artigo “Sabiás viajantes e as mudanças climáticas“, publicado em 13 de julho de 2021.
O aquecimento global pode mudar comunidades ecológicas inteiras. Alimentos e material de nidificação dos quais as aves dependem podem não estar disponíveis, além da possibilidade de haver perda de presas, surgirem novos parasitas, competidores e predadores aos quais não estão adaptados.
Os papagaios-do-mar em locais canadenses têm sucesso reprodutivo próximo a zero quando a água está mais quente. Isso pode significar que a maior colônia de reprodução da espécie, na Scott Island Marine National Wildlife Area, se tornaria inadequada para a espécie se a água continuar a aquecer.
Os riscos de extinção estão aumentando para muitas espécies! E as aves que mais correm risco devido às mudanças climáticas são aquelas com áreas restritas, pouca capacidade de mover sua área de distribuição e pequenas populações ou aquelas que já enfrentam desafios de conservação. Aves que utilizam áreas úmidas sazonais ou que são de áreas congeladas estão perdendo habitat.
Então, respondendo à pergunta, observadores de aves podem perder a oportunidade de conhecer espécies e apreciar ambientes incríveis que estão sendo impactados pelas mudanças climáticas. O comportamento de muitas aves estão se alterando e algumas espécies podem estar fadadas a desaparecer; espécies essas que, talvez, seus filhos perderão a oportunidade de observar se nada for feito.
Referência
– NATURE CANADA – How climate change is affecting birds
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