Graduada Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestra e doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ecologia da mesma universidade, onde atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF). É integrante da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil)
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A rede ferroviária é relativamente pequena em extensão, quando comparada a rede rodoviária. De acordo com a lista de concessões ferroviárias da agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o Brasil possui quase 30 mil quilômetros de ferrovias em seu território.
E a pergunta que eu me faço é: onde estão esses quilômetros? Por que eu não os vejo por aí? Fico ainda mais curiosa quando vejo o mapa ferroviário do país.
As ferrovias não são tão numerosas quanto as rodovias, mas elas estão presentes em muitos Estados brasileiros. Diferentemente das rodovias, a malha ferroviária em operação é concessionada a empresas privadas e localiza-se em ambientes com acessos mais restritos. Talvez por isso eu (ou nós) não veja as ferrovias com frequência. Também pode ser essa a razão dos estudos nesse modal de transporte serem pouco frequentes, o que pode acabar omitindo parte dos impactos associados a essas estruturas.
Durante meu mestrado, eu estimei as fatalidades de mamíferos silvestres (com mais de um quilo) em uma ferrovia de 750 quilômetros no Cerrado. Nós corrigimos os valores observados no monitoramento de fatalidades com testes de eficiência do observador e de persistência das carcaças, assim geramos uma estimativa mais próxima do que pode ser a realidade. Mais de 4.300 mamíferos silvestres morreram em um período de 23 meses nessa ferrovia. Até onde eu sei, apenas um outro estudo foi realizado com estimativa de fatalidades de fauna no Brasil. Os autores estimaram que aproximadamente 10 mil sapos morrem por ano em uma ferrovia de quase 900 quilômetros na Amazônia.
Existe uma expectativa generalizada de que as fatalidades de fauna em ferrovias sejam consideravelmente menores do que em rodovias. Porém, como existem poucos estudos nessa área, ainda não conseguimos confirmar ou refutar essa expectativa. As estimativas de fatalidades encontradas nos dois estudos que mencionei podem ser tanto maiores quanto menores do que os valores encontrados para as rodovias brasileiras. O que podemos afirmar com certeza é que há fatalidades de animais silvestres nas ferrovias (mesmo que a gente não as veja) e que mais estudos são necessários para avaliarmos a magnitude desse e de outros impactos causados por essa infraestrutura.
O governo federal planeja duplicar a extensão da malha ferroviária nos próximos dez anos. Há projetos de ferrovias a serem construídas em diferentes biomas brasileiros, em locais importantíssimos para a conservação da biodiversidade. Avançarmos na avaliação dos impactos das ferrovias é importantíssimo perante esse cenário de enorme ampliação. As ferrovias podem ser uma opção mais econômica para o transporte de cargas, mas, para mim, precisamos avaliar quantas vidas silvestres são perdidas para gerar essa economia (sem mencionar outros impactos que também deveriam ser considerados nessa conta).
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