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Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Vamos pensar como bandidos?
Como assim?
Sim, para combater o crime é necessário saber como bandidos pensam. Na frase de um amigo:
– Eu sou delegado de Polícia Federal. Sou pago para desconfiar das pessoas.
E por pior que pareça, é verdade e é necessário. Se você é policial ou se é fiscal, deverá ser capaz de desconfiar das pessoas. Afinal, a primeira coisa que um bandido aprende é mentir. Imagine uma barreira para ver se os veículos estão com o IPVA em dia e se nenhum veículo é roubado. O policial ou agente do Detran para a pessoa e pergunta:
– Boa tarde. Este carro é seu? O IPVA está pago?
Ela então responde que sim e o agente público a libera. É possível imaginar uma situação assim? E se o carro for roubado? Será que alguém que rouba carros não seria capaz de mentir?
Um carro roubado pode ser vendido no mercado ilegal. Mas seu valor não será alto se ele puder ser identificado como roubado em uma barreira policial. Mas, imagine se esse carro roubado receber uma nova placa, talvez um chassis adulterado e, ainda, documentos do Detran. Agora ele conseguirá passar em uma barreira policial a menos que haja ali um perito capaz de identificar a fraude. Esse carro, então, foi “lavado”, também se usa o termo “esquentado”, ou seja, a marcação e documentação conferem a ele ares de regularidade, escondendo sua origem ilícita.
Para o tráfico de animais silvestres também existe a possibilidade de lavagem ou esquentamento dos animais. Um pássaro, jabuti ou papagaio capturado na natureza e transportado ou mantido sem qualquer marcação ou documentação será imediatamente identificado como ilegal e apreendido pela polícia ou por agentes ambientais. Seu valor, também em decorrência do maior risco de flagrante a quem o detém, será menor. Assim, a lavagem de um papagaio significa conseguir anilha e nota fiscal ou, atualmente, certificado de origem que aparente que ele nasceu em cativeiro quando, na verdade, foi capturado na natureza. Um animal traficado que foi lavado possuirá um valor de revenda maior. Significa, portanto, um tráfico mais sofisticado com a produção de documentos e marcações falsas ou adulteradas.
No mercado ilegal existem criminosos que falsificam documentos de criadouros registrados e que estão inocentes nesse crime, mas também existem criadouros que vendem a marcação ou apenas a documentação para que pessoas possam lavar seus animais. No primeiro caso, um criminoso apresenta e vende documentação que lavará um animal sem o conhecimento do criadouro, enquanto no segundo, o criadouro, ao invés de vender o animal regularizado, vende apenas a documentação com a marcação para o animal. Em ambos ocorre o que chamamos de lavagem de animais.
Répteis e mamíferos são muito suscetíveis a esse tipo de crime, já que sua marcação é feita com microchip que pode ser inserido em qualquer momento da vida do animal. O fato de as anilhas de papagaios, araras e outras aves oriundas de criadouros comerciais não possuírem uma padronização de marcação mantém essa atividade altamente sujeita a fraudes.
A Resolução Conama nº 487/2018, que define os padrões de marcação de animais da fauna silvestre, suas partes ou produtos, em razão de uso e manejo em cativeiro de qualquer tipo, poderia ter dificultado a lavagem de animais silvestres. No entanto, em uma manobra de alguns representantes de criadores de animais silvestres, a padronização de marcação foi vinculada à existência de uma plataforma nacional e, até o momento, desde 2018, permanece sem padrão a marcação dos animais. Para os criadouros de todos os estados, menos São Paulo, a documentação hoje é emitida pelo SisFauna – um sistema que controla todos os animais no plantel do criadouro e sua movimentação. Falta que São Paulo tenha um sistema de emissão de documento de origem do animal que não seja apenas a nota fiscal ou se integre ao SisFauna, que é nacional, e que exista uma padronização na marcação dos animais. Enquanto isto não acontecer, os bandidos continuarão a usar as brechas da lei para lavar animais silvestres.
Voltando ao exemplo dos carros, é como se não houvesse padrão nas placas (marcação) e a origem dos veículos tivesse relação apenas com notas fiscais emitidas por qualquer comerciante de carro. Ainda – e sempre – me pergunto qual o receio dos criadores em se estabelecer uma padronização de marcação dos animais?
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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