Por Karlla Barbosa
Bióloga, observadora de aves, mestra em Conservação Ambiental e Sustentabilidade e doutora em Zoologia
observaçãodeaves@faunanews.com.br
Atividades ao ar livre, exercícios físicos, interações sociais. Muitas atividades de lazer têm essas características em comum e costumam trazer inúmeros benefícios aos praticantes. Esse é, justamente, o caso dessas duas práticas aparentemente distantes: a canoagem e a observação de aves. Além dos benefícios citados, a combinação delas parece ser uma excelente oportunidade de produção de conhecimento, geração de dados científicos e ações de educação ambiental.
É o que vem sendo demonstrado por uma iniciativa inédita no sul de Minas Gerais, onde pesquisadores, professores e estudantes da Universidade Federal de Itajubá (Unifei) estão mapeando as espécies de aves e inúmeras outras informações socioambientais do rio Sapucaí, um dos mais importantes cursos d’água da região. Claro que, só pelo fato de conhecer essas características ao longo de mais de 70 quilômetros desse curso d’água, entre as cidades de Itajubá e Santa Rita do Sapucaí, já seria superinteressante! Mas o que torna esse projeto diferente é o fato de olhar tudo isso em outra perspectiva: por entre as duas margens do rio.
Sim, a equipe está percorrendo o Alto do Sapucaí de caiaque e já tem chamado a atenção da população local, pescadores e ribeirinhos por onde passam. Eles têm se surpreendido com um movimento diferente no rio, que há muito não viam, rememorando os antigos tempos de canoata.
Com uma rica história de navegação, pesca e biodiversidade exuberante, o rio Sapucaí é um importante recurso hídrico para a região. Os seus meandros entrecortam diversos municípios nos estados de São Paulo e Minas Gerais – inclusive dando nome a diversos deles – e vêm, infelizmente, sofrendo com os impactos antrópicos, tais como o lançamento de esgoto doméstico e industrial, pontos de dragagem, descarte de lixo irregular, entre outros. Tudo isso tem deteriorado a qualidade da água, causando processos erosivos e desaparecimento da avifauna original.
Pensando em lançar um novo olhar sobre a importância desse rio sob as perspectivas sociais e ambientais, o projeto Cultura e Meio Ambiente nos meandros do Alto Sapucaí tem como objetivo diagnosticar, organizar e divulgar informações sobre um trecho navegável do rio Sapucaí, auxiliando na conservação de seu patrimônio ambiental natural e do patrimônio cultural imaterial. Assim, com uma equipe multidisciplinar, formada por educadores físicos (especialistas em treinamento desportivo e em estudos culturais), pedagoga, biólogos e estudantes, está conhecendo mais sobre esse rio e os diversos aspectos sociais e ambientais da região. Um dos resultados dessa iniciativa será a produção de uma cartilha a ser distribuída gratuitamente para escolas e população em geral.
E as aves? Bom, por serem ótimas bioindicadoras de impactos em áreas naturais, elas mais uma vez foram as protagonistas do levantamento faunístico desse projeto. Em missões realizadas no último mês de junho, quando 52 quilômetros do rio foram navegados pela equipe em caiaque, foram registradas 87 espécies de aves! Esse é um número alto de espécies, já que estão relacionando apenas as que apresentam alguma relação direta com o rio, seja por estarem se alimentando na margem, com contato com a água para se refrescarem ou nadando.
Não apenas o número total de espécies conta muito sobre o rio, mas também as diferenças entre os trechos navegados. Nos trechos em que ele passa por dentro das cidades, onde geralmente a mata ciliar é reduzida e mais fragmentada, a riqueza (número de espécies) foi menor quando comparada aos trechos que passam por áreas menos urbanizadas (geralmente mais arborizadas). Do total de espécies de aves observadas, cerca de 30 delas podem ser vistas apenas onde existe vegetação mais densa ao longo do rio. Apenas para se ter uma ideia, espécies mais adaptadas a ambientes alterados, como a lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta) e a rolinha (Columbina talpacoti) foram vistas mais frequentemente nos trechos mais urbanos do rio. Já o cisqueiro-do-rio (Clibanornis rectirostris) e a biguatinga (Anhinga anhinga) foram encontradas exclusivamente nos trechos onde as margens do rio eram mais arborizadas.
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Esses resultados são preliminares, mas já nos mostram que as aves poderão nos ajudar a entender mais sobre os impactos que nossas ações podem causar no alto Sapucaí. Além disso, através da observação de aves podemos chamar a atenção para a importância desse rio e até mesmo usar o exemplo dessa iniciativa para outras regiões.
Como parte integrante desse grupo, tive a oportunidade de, pela primeira vez, observar aves em um caiaque, ver a enorme riqueza que o rio Sapucaí esconde ao longo do seu trajeto e que não podemos deixar tudo isso se perder. E como a maioria do nosso grupo não é (ou não era) observador de aves, pelo menos já plantamos uma sementinha para a vontade de praticar o hobby de observar aves, além da canoagem. Inclusive, todas as fotos de aves que estão ilustrando este artigo são de observadores da região.
Importante reforçar também que, para a prática de canoagem, nossa equipe foi devidamente treinada e guiada pelo educador físico, especialista nesse esporte, Rafael P. P. Vieira, coordenador do projeto. A dedicação e profissionalismo de toda equipe, em especial de seu coordenador, foi a receita do sucesso dessa expedição, que esperamos se repetir novamente em um futuro próximo.
Para conferir os resultados preliminares do projeto, além de outras linhas de ação do Grupo TrilhaZ, visite o site e siga nas redes sociais.
Agradecimentos
Professor Paulo Nunes e Thiago V.V. Costa por contribuirem com as informações e correções no texto.
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