Por Gabriela Schuck
Graduada em Ciências Biológicas e mestra em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É doutoranda em Ecologia e atua no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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É difícil imaginar uma estrada sem pessoas, já que essa infraestrutura é o principal meio de locomoção humana. Antes mesmo do surgimento dos automóveis, estradas já eram utilizadas para conectar populações. Porém, há casos de estradas com fluxo restrito ou inexistente, como as que foram fechadas permanentemente ou pelo menos em um período específico. Algumas são privadas com acesso restrito, como já visto aqui, e também podem apresentar condições semelhantes de uma estrada desabitada. O que será que acontece com a fauna nesses tipos de ambientes?
Mesmo na ausência de fluxo, uma estrada não deixa de ser uma infraestrutura linear com ausência de vegetação ao longo do seu percurso. Só depois de muito tempo sem utilização, ela pode começar a voltar ao estado original e mesmo assim “cicatrizes” lineares podem ser percebidas. Normalmente, há um substrato diferente em relação a área adjacente, seja por um solo mais compactado ou com a presença de substratos não originais do local seja pelo fato de a área poder ter sido modificada para ser mais elevada ou rebaixada do que o entorno. Essas características já são uma mudança de habitat que pode causar impactos e alterações no comportamento animal.
Uma área aberta inserida em um ambiente fechado aumenta a exposição dos animais e o risco de predação, dificulta a locomoção para arborícolas e pode ser um obstáculo para diversos espécimes sensíveis à essa mudança de paisagem. Entretanto, pode ser algo atrativo para algumas espécies, por facilitar a locomoção de algumas ou por acumular mais recursos como água e comida.
Muitos animais utilizam a rodovia de forma oportunista e acabam sendo atropelados por conta da aproximação. Mas será que com ausência de fluxo diário de veículos os animais estariam mais “à vontade” e sem correr riscos? Bom, para isso é necessário realizar um estudo comparativo das duas situações, com e sem veículos, e, se possível, comparar com outra área semelhante para ter como controle. Ainda melhor é repetir essas observações ao longo do tempo.
Normalmente, é bem difícil observar diretamente as interações dos animais com as estradas. Uma ferramenta de monitoramento de fauna utilizada nas pesquisas são as armadilhas fotográficas. Porém, o uso desses equipamentos em rodovias é praticamente inviável dependendo da área do estudo devido a furtos. Mas em um cenário com restrição de pessoas é possível realizar essas observações. No caso das estradas internas da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, onde há baixo fluxo de veículos e atividade humana, foi possível observar alguns flagras:
https://youtu.be/RUTqFFKTaVQ
Compilação de registros de animais utilizando estrada privada de uma unidade de conservação que possui restrição de fluxo veicular. Podemos observar a utilização da estrada para locomoção e busca de alimentação e de fonte de água. Nesse ambiente, o fluxo de pessoas é bem baixo e a presença de animais nas estradas é notável – Imagens: Grupo de Estudo em Vida Silvestre (GEVS)
Infelizmente, esse cenário em que os animais estão mais seguros utilizando as estradas, em um ambiente controlado e com restrição humana, é uma exceção. Normalmente, ambientes remotos e estradas-parques oferecem um risco alto para a fauna, já que são locais com elevado grau de conservação, abrigando grande riqueza e abundância de espécies nas proximidades de rodovias. Áreas mais afastadas da urbanização ou com menor fluxo de veículos também merecem atenção redobrada, pois são locais em que pode ter quantidades maiores de animais circulando e onde eles estão mais “à vontade”, correndo o risco de atropelamento.
Sempre é bom refletir que, apesar de as estradas serem infraestruturas construídas para humanos, diversos animais compartilham e usam esse ambiente. Devemos aprender a dividir esse espaço com segurança com todos.
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