Por Raul Rennó Braga
Biólogo, mestre e doutor em Ecologia e Conservação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atualmente, é professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pesquisador colaborador do Laboratório de Análise e Síntese em Biodiversidade (LASB) da UFPR e do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) da mesma instituição. Atua principalmente com pesquisas relacionadas a ictiologia e a invasões biológicas.
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O uso de peixes para ornamentação é uma atividade que há séculos faz parte do cotidiano das civilizações humanas. Atualmente, figura juntamente com cães e gatos entre os principais animais de estimação comercializados. Em média, um bilhão de peixes ornamentais são comercializados internacionalmente a cada ano, sendo que 90% são espécies de peixes tropicais de água doce. O Brasil, contendo mais de 3.500 espécies de peixes de água doce se destaca nessa indústria, além de também ter fomentado e crescido o mercado interno nas últimas décadas. Em 2015, a aquariofilia brasileira movimentou mais de R$ 16,7 bilhões.
Nesse contexto, devemos avaliar como essa atividade impacta a conservação da biodiversidade brasileira e mundial. Sabemos que o comércio de fauna é uma das principais ameaças à conservação no mundo inteiro uma vez que extrai da natureza (tanto legal quanto ilegalmente) boa parte dos animais vendidos. Como exemplo, pesquisadores simularam a superexploração de populações de peixes ornamentais de riachos amazônicos e concluíram que a extração desordenada pode eliminar até 25% das funções ecológicas nestes ambientes.
Em outra abordagem, focada em entender o padrão do comércio on-line existente para espécies de peixes ornamentais, um estudo recente feito por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba revelou que a internet tem ampliado o alcance e o impacto dessas atividades comerciais. Um monitoramento de seis meses em redes sociais registrou mais de 600 espécies de peixes ornamentais, sendo 63% de água doce. Mais alarmante foi o fato de 66% serem espécies sem ocorrência natural no Brasil, 23 espécies ameaçadas de extinção e um quarto das espécies com venda proibida. Percebe-se que, hoje, as mídias sociais são utilizadas para divulgação do hobby e proporcionam rotas alternativas de comércio.
Dentre as espécies anunciadas estava o cascudo-zebra, criticamente ameaçada de extinção, e o pirarucu, espécie que tem o comércio internacional controlado por estar listada no apêndice II da CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Silvestres Ameaçadas de Extinção). Infelizmente, o problema é agravado pelo fato de que a proibição do comércio eleva seu preço de venda.
Apesar de ainda ser uma atividade de grande relevância, durante muito tempo, mais especificamente entre os anos 1970 e 1990, o Brasil foi um dos principais exportadores de peixes ornamentais provenientes de extrativismo, posteriormente perdendo mercado para a criação em cativeiro feita em outros países. Avaliando superficialmente, essa transição parece benéfica em termos ecológicos, uma vez que diminui a pressão de extração de indivíduos das populações naturais. No entanto, nem tudo é perfeito, já que a aquicultura ornamental, quando mal manejada, pode promover a introdução de espécies exóticas, a depleção genética e a introdução de patógenos. A introdução de espécies exóticas ocorre principalmente através da soltura de indivíduos adultos dos aquários nos rios e pelo escape acidental de criadouros.
A Zona da Mata do estado de Minas Gerais se destaca pela alta produtividade do Polo de Piscicultura Ornamental de Muriaé. Essa região possui aproximadamente 350 fazendas de peixes ornamentais com mais de 200 espécies de água doce que não são nativas da região. Em conjunto, as fazendas suprem mais de 70% da demanda brasileira por peixes ornamentais de água doce.
Infelizmente, a falta de cuidado e controle de escape desses peixes para os rios e riachos da região tem provocado um efeito devastador. Com os escapes, em um primeiro momento o número de espécies cresceu já que os peixes ornamentais se somaram aos nativos. Porém, com o tempo, a forte pressão de competição entre as espécies levou muitas à extinção local. Esse processo ocorreu em diversos rios e riachos que possuíam espécies diferentes e que agora foram substituídas pelas mesmas espécies ornamentais, ocasionando uma perda de diversidade e a uma homogeneização da fauna.
Com essas informações, chegamos então à conclusão de que tanto o extrativismo quanto a aquicultura geram impactos ecológicos negativos, correto? Não necessariamente, pois a aquicultura poderia ser uma opção ecologicamente menos danosa. Em nota à Sociedade Brasileira de Ictiologia, pesquisadores sugerem que “para a prática segura, a atividade deve ser realizada com acompanhamento técnico-científico e fiscalização consistente, exclusivamente em estruturas com contenção contra escapes e purificação da água, impedindo o despejo de organismos, patógenos e resíduos poluentes na natureza”.
É preciso entender que da forma que a atividade é estruturada hoje ela é bastante danosa à biodiversidade brasileira e mundial. É necessário que profissionais sérios e com vontade de tornar a atividade mais sustentável tomem as rédeas dessa indústria, fomentando investimentos para a prática segura da aquicultura. Naturalmente que, para isso, é necessária uma visão de longo prazo para retorno sobre esse investimento e não um pensamento de urgência para obter hoje os maiores ganhos em detrimento da qualidade ambiental futura. Associado a isso, é urgente a necessidade de maior fiscalização do comércio ilegal, uma vez que a atividade é altamente lucrativa e de relativo baixo risco decorrente da impunidade.
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