Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
tuneldotempo@faunanews.com.br
O Brasil apresenta uma grande quantidade de fósseis de arcossauros (grupo que compreende os jacarés e crocodilianos modernos, os dinossauros e muitos outros grupos extintos, como os pterossauros), especialmente aqueles que datam da era Mesozóica (251 a 65 milhões de anos atrás). A maior parte desses achados no nosso país foram encontrados em rochas correspondentes ao período Triássico (entre 251 e 201 milhões de anos atrás) e do período Cretáceo (145 a 66 milhões de anos atrás). Esse último, aliás, representa a maior parcela desses registros (veja, por exemplo, os levantamentos de Bittencourt & Langer 2011, e Brusatte et al. 2017, para mais detalhes).
Porém, para o período Jurássico, fósseis de vertebrados em geral são bastante raros aqui no Brasil, consequência das poucas exposições de rochas desse período que temos por aqui. Por isso, qualquer fóssil de vertebrado que seja reportado para alguma das unidades geológicas brasileiras datadas do Jurássico acaba sendo muito importante. E é justamente sobre o mais recente exemplar descrito, sob número de tombo MCT 2670-LE, que abordarei por aqui.
Uma das poucas espécies de arcossauros que temos para o final do Jurássico brasileiro é o paraligatorídeo (parente distante dos jacarés e crocodilos atuais) Batrachomimus pastosbonensis Montefeltro, Larsson, França & Langer, 2013, proveniente da formação Pastos Bons (bacia do Parnaíba), localizada no Maranhão. Outros registros importantes são os ossos atribuídos a Mesoeucrocodylia da formação Aliança (bacia do Jatobá, estado de Pernambuco). Supostos registros de dinossauros (Melo & Carvalho, 2017) foram anunciados para a formação Brejo Santo (bacia do Araripe). Contudo, esses fosseis ainda não foram bem ilustrados e nem descritos, e justificativas para a identificação como dinossauros não foram oferecidas. Também não há dados sobre em qual instituição esses exemplares estão depositados, o que dificulta muito para que outros pesquisadores verifiquem a veracidade do material. Assim, o registro oficial de dinossauros do Jurássico brasileiro permanecia pendente.
Por isso, o primeiro registro indiscutível de Dinosauria para o Jurássico do Brasil é o MCT 2670-LE. Esse exemplar foi descoberto nos anos 60 pelo professor Ignacio Machado Brito, em Pernambuco. Coletado em rochas da formação Sergi, MCT 2670-LE é o primeiro arcossauro dessa unidade geológica. O fóssil em questão é uma vértebra que faria parte do final da cauda e foi propriamente identificada como pertencente a um terópode do ramo dos alosauróides, com possível grau de parentesco com os carcarodontosauídeos. Essa identificação se deve a detecção da forma de “ampulheta” (ou carretel) que essa vértebra possuía, além de apresentar sulcos profundos na sua parte debaixo, duas características combinadas que só são observadas em carcarodontosauídeos.
Assim, a identificação mais precisa ocorreu não só por uma extensa comparação anatômica com outras espécies, mas também por análises sobre os possíveis relacionamentos evolutivos desse novo espécime. Utilizando uma base de dados que contém dados morfológicos de várias espécies de terópodes, foi possível verificar que MCT 2670-LE estaria mais estreitamente relacionado aos carcarodontosauídeos do que a outros grupos de terópodes. Por fim, o novo espécime fornece novos dados para a distribuição paleogeográfica dos carcarodontosauídeos como um todo e demonstra que a formação Sergi tem um potencial ainda inexplorado, com especial potencial de auxiliar a compreender os relacionamentos dos vertebrados fósseis do Mesozóico brasileiro. Que seja o primeiro de muitos dinossauros para o Jurássico do Brasil!
Para saber mais
– BANDEIRA KLN, BRUM AS, PÊGAS RV, SOUZA LG, PEREIRA PVLGC & PINHEIRO AEP. 2021. The first Jurassic theropod from Sergi Formation, Jatobá Basin, Brazil. In Acad Bras Cienc 93: e20201557. https://doi.org/10.1590/0001-3765202120201557
– BITTENCOURT JS & LANGER MC. 2011. Mesozoic dinosaurs from Brazil and their biogeographic implications. In Acad Bras Cienc 83: 23-60.
– BRUSATTE SL, CANDEIRO CRA & SIMBRAS FM. 2017. The last dinosaurs of Brazil: The Bauru Group and its implication for the end-Cretaceous mass extinction. In Acad Bras Cienc 89: 1465-1485. https://doi.org/10.1590/0001-3765201720160918
– MELO BGV & CARVALHO IS. 2017. A Fauna da Formação Brejo Santo, Neojurássico da Bacia do Araripe, Brasil: Interpretações Paleoambientais. In Instituto de Geociências UFRJ 40(3/2017): 62-74.
– MONTEFELTRO FC, LARSSON HCE, FRANÇA MAG & LANGER MC. 2013. A new neosuchian with Asian affinities from the Jurassic of northeastern Brazil. Naturwissenschaften. 100 (9): 835–841. https://doi.org/10.1007/s00114-013-1083-9
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)