O potencial para conservação da fauna das cidades pequenas

Em alguns municípios, há investimentos em atividades que são contrárias à conservação e bem-estar dos animais.

Adriana Prestes

Bióloga pela Universidade Mackenzie, realizando, nos últimos 9 anos, solturas de animais silvestres na região da Serra da Mantiqueira e do Vale do Paraíba (SP). Atua como responsável técnica de Áreas de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre (ASM) cadastradas junto à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA) e ao Ibama.
Também exerce o cargo de secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre (GEFAS), criado inicialmente pelo Ibama e hoje formado por profissionais liberais e por representantes de ASMs e de entidades ligadas ao manejo de fauna silvestre na região do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira, no estado de São Paulo. Esse grupo foi criado com a missão de debater as questões ligadas ao manejo e à conservação da fauna silvestre na sua região de atuação.

04 de setembro de 2023

FAUNA NEWS - Potencial de conservação da fauna por cidades pequenas.

Moro em uma cidadezinha bem pequena, perdida entre montanhas e nuvens. Mas o que pode parecer um idílico paraíso tem suas contradições. Uma delas é a realização de rodeios de touros. Um evento comum em muitos municípios brasileiros, mas que cada vez mais se torna controverso. Eis então que, em meu tranquilo município, foi recentemente realizado um evento desses.

A consequência?

Um abaixo assinado eletrônico, que já tem assinaturas em número suficiente para bater o número de eleitores do vereador mais votado na eleição passada. Além de pedir assinaturas contra a realização do evento, a petição elenca seis argumentos como justificativas, sendo dois deles ligados à conservação ambiental e um deles ligado a questão do bem-estar animal.

Claro que, além da disputa de montaria em touro, para o evento são contratados shows de artistas para entreter os presentes. Assim, imaginem a altura do som das apresentações! Aliás, imaginem o impacto disso em bandos de primatas e aves que residem no município. Sensacional, não acham? Sem contar o trânsito intenso até pela madrugada, em estradas sem acostamento e rodeadas de remanescentes florestais. Espetacular para a fauna silvestre!

Mas a história fica mais interessante quando verificamos os dados desse mesmo município junto aos itens que compõem a pontuação de um programa do governo paulista denominado Município Verde Azul. Cada município pode obter até 10 pontos em cada segmento e esse é um indicador importante para avaliação de como estão sendo implantadas as políticas públicas diretamente relacionadas com o bem-estar da população e com a conservação ambiental.

Que tal?

Vejamos… Avanço na sustentabilidade, educação ambiental, medidas protetivas para uso do solo, medidas para promover a qualidade do ar e arborização Urbana: zero! E vejam que o município que acabou de assinar o “Acordo Paulista Ambiental” para mitigação de emissões e resiliência climática. E qual a estratégia do município diante desses desafios? Gastar uma parte significativa das receitas públicas para realizar um rodeio? Assim se resolve tudo.

Só para finalizar: me pergunte se esta cidade tem unidade de conservação municipal? Claro que não.

E o monumento natural existente? Não é muito visitado? Sim, mas pessoas com carros, claro. Uma estradinha sinuosa até o topo do morro, com trânsito super intenso em duas mãos de direção, cortada vários cursos d’água e em muitos pontos sem nenhum tipo de drenagem para águas pluviais. Zero sinalização. Zero controle.

Mas afinal, o que tudo isso tem a ver com solturas de animais?

Bem, realmente, tudo.

São os pequenos municípios que ainda possuem vegetação natural em estágio avançado de regeneração e é nesses fragmentos em que se encontram os últimos remanescentes da fauna silvestre. É aí que estão ou deveriam estar as áreas de soltura de animais silvestres.

Diga-se de passagem, que o estado de São Paulo reconhece isso. Tanto que na diretiva sobre biodiversidade, do Programa Município Verde Azul, tem questão com pontuação para a existência de áreas de soltura, conforme texto abaixo retirado da Resolução Sima nº 117, de 23 dezembro de 2022:

Realiza ações para conservação da fauna silvestre local, como por exemplo iniciativas voltadas à coexistência humano-fauna e de incentivo e apoio a Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) ou Áreas de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre (ASM)?”

Mas o que fazer para as políticas públicas serem implantadas? O que pode um cidadão comum?

Fiscalize, participe de sua comunidade e trabalhe em rede. Em bom português, bote a boca no trombone sempre que possível!

Esse artigo não é contra eventos, mas sim para apontar que o desenvolvimento de um município não pode simplesmente continuar adotando uma visão do passado, em que os recursos naturais são inesgotáveis e que mais carros, mais gente e mais barulho são sinônimos de sucesso!

No passado, as chaminés das fábricas eram o símbolo da pujança econômica do estado de São Paulo. O resultado disso todos nós sabemos.

Ainda temos um bocado de fauna silvestre no estado. Bora trabalhar para sua conservação?

Sobre o autor / Adriana Prestes

Bióloga pela Universidade Mackenzie, realizando, nos últimos 9 anos, solturas de animais silvestres na região da Serra da Mantiqueira e do Vale do Paraíba (SP). Atua como responsável técnica de Áreas de Soltura e Monitoramento de Fauna Silvestre (ASM) cadastradas junto à Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SIMA) e […]