Por Barbara Zucatti
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda no Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma instituição (NERF-UFRGS)
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Semana passada, um acontecimento chamou a atenção: o avião que transportava as vacinas de Covid-19 colidiu com um animal na pista enquanto pousava. Quando pensamos em colisão de veículos com a fauna, automaticamente associamos com rodovias e ferrovias. A verdade é que as colisões aéreas também acontecem e são mais comuns do que imaginamos. Porém, esses acontecimentos são poucos noticiados porque, na maioria das vezes, eles acarretam perdas somente à vida silvestre.
Os grupos que correm mais riscos de colidir com uma aeronave são os animais voadores, como aves e morcegos, mas também alguns animais terrestres, que podem ser atingidos ao cruzarem a pista, como ocorreu nesse episódio. Dentre os grupos de riscos, a maioria desses acidentes acontecem com as aves, que são sugadas pelas turbinas do avião ou morrem pela colisão direta.
Como para todo grande empreendimento da área de transportes, a construção de um aeroporto resulta na perda de habitat para a fauna. Porém, no caso do modal aéreo, a perda de habitat também se dá no céu. As zonas de decolagem e aterrissagem de um aeroporto vão além das pistas e se estendem por quilômetros acima do solo. Mas é exatamente a cerca de 152 metros de altura que ocorre a maioria das colisões com andorinhas, gaivotas, aves de rapina, aves migratórias e outras espécies que usam esse espaço para deslocamento.
Diferentemente do que ocorre nas rodovias, as colisões com aeronaves são quase sempre fatais para a fauna, principalmente quando ocorrem durante o voo. Estima-se que U$ 1,2 bilhão são gastos anualmente pelas empresas de aviação com os reparos dos danos causados pelas colisões. Apesar de raramente ocorrerem perdas de vidas humanas quando uma aeronave colide com um animal, alguns desses acontecimentos já resultaram em prejuízos indiretos para a saúde humana.
Um evento que ilustra bem isso é o acidente conhecido como o Milagre de Hudson, na qual uma aeronave de grande porte colidiu com um grupo de gansos-canadenses e precisou fazer um pouso de emergência no mar. Apesar de não terem ocorrido mortes, muitas pessoas tiveram ferimentos leves e outras tantas precisaram ter acompanhamento psicológico por um longo tempo em função do estresse pós-traumático que desenvolveram após o acidente. O incidente que ocorreu no Brasil, citado aqui anteriormente, também poderia ter acarretado prejuízos indiretos para à saúde humana, caso as vacinas tivessem sido perdidas.
Esse assunto já foi abordado aqui em um artigo anterior, onde tratamos sobre como o Brasil enfrenta esses acidentes e quais são as medidas mitigadoras pensadas para minimizar esse impacto. Mas o fato é que esse tema ainda é muito pouco discutido e carece de dados sobre o uso do solo nas zonas de aproximação do aeroporto. Tanto a perda de animais nas colisões quanto a orçamentária podem ser minimizadas se os modelos de planejamento dos aeroportos levarem em consideração os estudos dos potenciais efeitos dessa restrição aos habitat das espécies que vivem no entorno. Protocolos de gestão com base científica e uma comunicação entre a academia e as organizações de aviação são fundamentais para desenvolver programas de gerenciamentos efetivos e pensar em medidas mitigadoras mais eficazes, promovendo não só a segurança da aviação, mas também da fauna.
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