
Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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Os animais podem transmitir diversas enfermidades para os seres humanos e estima-se que mais de 70% das doenças infecciosas emergentes sejam zoonoses. Existe, no entanto, o outro lado da moeda: os seres humanos também podem transmitir doenças para os animais.
O SARS-Cov-2, responsável pela Covid-19, é o exemplo mais recente de uma zoonose viral emergente que se tornou uma pandemia. A origem do vírus ainda não foi confirmada, mas provavelmente veio de uma espécie de morcego e pode ter chegado até os humanos por meio de uma espécie intermediária, o pangolim. Apesar da provável origem animal, o que causou a pandemia foi a transmissão do agente de um humano para outro.
Mas, será que existe o risco da transmissão dessa enfermidade dos humanos para os animais?
Estudos mostraram que os porcos, gatos, furões e primatas não humanos possuem receptores celulares similares ou idênticos para o SARS-Cov-2 encontrados em humanos. Isso significa que o vírus poderia potencialmente infectar essas espécies sem necessitar de alterações genéticas significativas. Os cientistas estão trabalhando para tentar descobrir a suscetibilidade de outras espécies de mamíferos e sua capacidade de serem fonte de infecção.
Nos animais selvagens não há relatos da transmissão do SARS-CoV-2 para espécimes de vida livre. Quanto aos animais mantidos em cativeiro, há descrições da transmissão do vírus para quatro tigres e três leões no zoológico norte americano do Bronx e em doninhas mantidas em fazendas holandesas. Para fins de pesquisa, foram infectados macacos, furões e morcegos.
Existe o receio que o SARS-CoV-2 seja transmitido para outras espécies de animais selvagens, principalmente as que já estão ameaçadas de extinção. Os primatas do velho mundo, como os gorilas, chimpanzés e bonobos, possuem uma semelhança muito grande com o nosso DNA e são suscetíveis a doenças respiratórias de humanos, muito vezes de forma fatal. Ainda não há relatos de infecção dos grandes primatas pelo Covid-19, no entanto, uma provável infecção poderia ser mais uma ameaça. A recomendação é que os países que possuem essas espécies suspendam o ecoturismo, reduzam as pesquisas de campo e não permitam a visitação por pessoas que estiveram doentes ou em contato com pessoas doentes nos prévios 14 dias aos locais onde esses animais vivem.

No Brasil, diversas instituições que trabalham com primatas não humanos, incluindo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), estabeleceram controles e cuidados redobrados com a saúde de populações de primatas.

Os morcegos são outros animais que também geram bastante preocupação. Eles são um grupo com uma grande diversidade, correspondendo a 20% das espécies de mamíferos do mundo. Essas espécies possuem importantes funções nos ecossistemas, como a polinização, a dispersão de sementes e o controle de pragas. Em alguns países há a recomendação de que os trabalhos de campo com morcegos sejam limitados para prevenir uma possível transmissão que poderia impactar essas populações ou até mesmo se tornar um reservatório da doença do SARS-CoV-2.
É muito importante salientar que não há relatos de espécies de morcegos transmitindo o SARS-CoV-2 para humanos. Há pessoas matando morcegos em diversos locais do mundo temendo que os animais transmitam a Covid-19.
Os animais selvagens sofrem diversas pressões como a destruição de seus ambientes, caça, tráfico e variadas formas de exploração que podem levá-los à extinção. As doenças podem ser mais um fator de risco para a existência das espécies e são também transmitidas a eles pelo contato indevido dos homens e animais. Os cuidados em tempos de pandemia devem ser redobrados.
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