O mundo não quer ser mudado: por uma educação ambiental “top-down”

Muito se fala e se faz através de iniciativas que visam a sensibilização e a educação ambiental individual ou de pequenos grupos, como comunidades rurais, turmas escolares, turistas, associações de um dado município ou cidade. Por meio dessas abordagens de baixo para cima (bottom-up), educadores e conservacionistas miram na transformação dos cenários ambientais através da influência que a mudança do comportamento de uma sociedade pode ter nas políticas públicas.

“Seja a mudança que você quer ver no mundo” é um exemplo de ideia em que pequenas ações podem levar a impactos maximizados. E levam. Por vezes, levam. Meu objetivo aqui não é dizer que não. Meu objetivo aqui é iniciar a difícil conversa sobre quando elas não levam – sobre quando projetos incríveis de sensibilização e transformação de comportamento começam e acabam sendo apenas isso mesmo: ótimas ideias. Quando a palestra é dada num dia e esquecida nos outros. Quando a criança colore o animal de azul-turquesa e rosa-choque e continua a não saber o seu nome. Quando o panfleto educacional vira lixo nas ruas. Quero perguntar: por quê?

Este artigo é sobre quando os “vetores” de atitudes pró meio ambiente (sejam eles instaladas pelo educador ou de iniciativa própria) esbarram em um teto – uma barreira – e não conseguem crescer em potência.

Ouvi por um relato de um dos integrantes de um dado Corpo de Bombeiros a seguinte situação: pessoas da comunidade rural mais próxima à mata muito frequentemente ligam 193 fazendo queixas sobre animais (silvestres) no entorno de suas casas. E vejam só: às vezes o tal animal está só passando por ali. Preocupantemente, porém, os moradores parecem muito se incomodar com a presença desses vizinhos. Em sua maioria, as ligações à corporação pedem resgate, recolhimento e translocação do animal para outro lugar (devolução à mata) – o que é compreensível, principalmente, no caso de serpentes peçonhentas.

Mas alguns desses contatos vão além: solicitam a destruição do ninho que uma coruja-suindara (Tyto furcata) fez no teto da casa de alguém, por dois motivos: pela crença de que o rapinante “dá azar” e que sua vocalização é um anúncio da morte eminente de alguém e/ou a presença (cheiro e sons) do animal suja e incomoda.

Eu sei o que você deve estar pensando: essa situação parece ser facilmente resolvível. Basta sensibilizar essa população em relação aos animais e suas funções ecológicas, estimular o amor e o respeito à natureza e a consciência ambiental, fazer com que eles percebam que a coruja – que inclusive estava ali muito antes deles chegarem com suas casas – tem direito de fazer o ninho onde bem entender. Talvez nem fosse necessário um grande esforço: o próprio atendente do Corpo dos Bombeiros poderia passar essa mensagem.

Mas aqui começamos a nos encaminhar ao título deste artigo: e quando os bombeiros são impostos, pelo seu chefe, a atender e resolver essas ocorrências? Mesmo sendo elas (a destruição de um ninho) um crime ambiental? No dia a dia, o que a recusa de as responder pode parecer ao comandante geral? Ora, a função dos bombeiros não é a de proteger a população?

E quando a criança que assistiu à palestra da bióloga chega em casa e ouve do pai que o passarinho ilegal que eles criam na gaiola não está sofrendo coisa nenhuma pois tem segurança, comida e água todo dia sem precisar se esforçar na floresta? Floresta essa que queima todo dia por incêndios de ordem antropogênica devido à agricultura de corte e queima (que inclusive é feita pelo mesmo pai e que é esse o trabalho que coloca na mesa de casa a comida que a criança vai comer).

E quando um vereador, em conjunto com os moradores, desenvolve soluções para problemas socioambientais locais, mas não consegue colocar suas propostas em prática por elas simplesmente não serem prioridade da câmara municipal ou da agenda ambiental do país por serem “muito específicas”?

E quando um grupo de viajantes sai inspirado de uma visita a um santuário ecológico patrocinado, com esquema de economia circular, cheio de voluntários engajados e em pleno bom funcionamento, mas levando consigo o pensamento de que “algo assim jamais funcionaria na minha cidade”?

E quando especialistas em primatas, professores universitários com diplomas de mestrado e doutorado, que lutam pela proteção e conservação das espécies tão ameaçadas de macacos no Brasil, são os que usam figurinhas de WhatsApp em que os mesmos os macacos, agora retirados da natureza e traficados, estão usando coleiras e roupinhas humanas? E eu não vou nem entrar no mérito de biólogos “influencers” que navegam mais facilmente do que aqueles com currículo e experiência dentre os terrenos patrocinados pelas grandes empresas.

Barreiras contra a educação ambiental

Sei que eu pareço estar fazendo analogias, mas a verdade é que todos esses exemplos que eu citei acima são homólogos. Na biologia, entende-se por “homólogos” os órgãos e estruturas que, mesmo não compartilhando a mesma função ou aparência, possuem uma mesma origem embrionária, evidenciando um parentesco evolutivo entre duas ou mais espécies. Ou seja, diferentemente de quando fazemos uma analogia – em que apontamos as semelhanças entre coisas que são intrinsicamente diferentes (como as asas dos insetos e as asas dos passarinhos) -, aqui falamos de episódios discrepantes causados por um único e mesmo fator: o poder de impacto que as camadas mais altas da hierarquia (de trabalho, de núcleo familiar ou de uma sociedade acadêmica) têm e o bloqueio que esse impacto, misturado à falta de empatia e educação e consciência ambiental, pode ter.

Em outras palavras, muitas pessoas que querem mudar o mundo frequentemente sentem que o mundo não pode, não quer ser mudado. Todos os dias a batalha pelo meio ambiente perde um soldado alvejado pela sensação de impotência.

O valor da educação ambiental bottom-up é inegável e indiscutível. Mas e a top-down? É importante capacitar corpos de bombeiros, mas precisamos também acessar comandantes e superintendentes. É importante palestrar para crianças, mas precisamos também acessar seus responsáveis e prover materiais para que os professores incorporem a educação ambiental na grade curricular. É importante conscientizar as pessoas que o contato físico direto com animais selvagens é uma via para a contaminação de doenças, mas se biólogos, veterinários e primatólogos não forem o exemplo, quem será? Se grandes empreendimentos priorizam a opinião dos influencers com milhões de seguidores, mas não daqueles com anos de experiência, quem poderá nos ajudar?

Parece clichê, e é, mas num mundo das emergências climáticas, acelerada extinção em massa e guerras, precisamos, mais do que nunca, apelar para todas as abordagens possíveis – e criar “corredores ecológicos” entre elas. A sensação de desamparo de quem trabalha tentando resolver alguns pequenos problemas desse mundo tão grande não vem de muito longe do que eu acabei de salientar: a nossa luta é de forças e por isso é injusta. Cansa. A gente até consegue trazer comunidades rurais, jovens, bombeiros, turistas e associações para reforçar nosso coro, mas para quem é que estamos cantando? Estão (estamos) nos escutando?

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