Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
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Além do novo coronavírus, um outro invasor vindo da Ásia levou pânico à população dos Estados Unidos, só que de modo muito mais injustificado. A imprensa notificou, de forma sensacionalista, a chegada à América do Norte da gigantesca vespa-mandarina (Vespa mandarinia – Hymenoptera: Vespidae), um inseto impressionante, é verdade, mas que não é motivo para tal pânico – exceto no meio das abelhas, suas presas prediletas.
A notoriedade da vespa grandona fez com que muita gente aprendesse que as espécies podem ampliar suas áreas originais de distribuição e que isso não é absolutamente incomum. Ao contrário, muitas espécies tendem a migrar e ocupar territórios novos. Recentemente, está se acompanhando com muita atenção, por exemplo, o movimento migratório do coiote (Canis latrans – Carnivora: Canidae) rumo ao sul. O versátil predador norte-americano já se espalhou pela América Central, ultrapassou o Canal do Panamá e está prestes a colocar suas quatro patas na América do Sul, fato que tem preocupado os defensores de nossa biodiversidade.
Muitas outras espécies animais recebem uma ajudinha extra para alcançar novos ares – ajuda essa que, quase sempre, tem o dedo dos humanos. Alguns insetos são introduzidos de propósito com alguma finalidade específica, como o combate de pragas; mas a maioria mesmo é obra do acaso e da imprudência. Assim, alguns dos insetos que você mais comumente encontra em sua casa não são brasileiros natos. É o caso de algumas baratas, moscas, mosquitos, pulgas e traças – certamente ninguém os convidou, mas eles vieram.
Um conhecido mosquito
É o caso do Aedes aegypti (do grego aēdēs, “odioso”, e do latim ægypti, “do Egito”), inseto muito popular no Brasil e conhecido como mosquito-da-dengue. Integrante da família Culicidae e da ordem Diptera, esse vetor de doenças graves (dengue, febre amarela, febre zica e Chikungunya) é proveniente do nordeste da África e vem se espalhando pelas regiões tropicais e subtropicais do planeta desde o século XVI, sendo dependente da concentração humana no local para se estabelecer. Segundo estimativas, cerca de 35% da população mundial vive em áreas adequadas à proliferação desse mosquito.
Há mais de três séculos, gerações de brasileiros padecem dos males causados pelo Aedes aegypti. A chegada da espécie no Brasil tem a ver com a página mais cruel escrita pela humanidade: segundo registros, o mosquito chegou em 1865, em pleno período colonial, trazido clandestinamente em navios negreiros, aportando primeiro em Recife, Pernambuco, e é considerado a mais famosa espécie invasora do país. O mosquito-da-dengue está bem adaptado às zonas urbanas, sendo frequentador assíduo dos domicílios humanos, onde se reproduz e põe os ovos em acúmulos de água preferencialmente limpa e parada.
O controle das suas populações é considerado assunto prioritário em termos de saúde pública e há comprovação científica de que o controle do Aedes aegypti tem custo menor para os governos do que o tratamento às doenças causadas por esse vetor. A forma mais fácil e eficiente de controle é a eliminação de possíveis locais de incubação dos ovos, que se dá, simplesmente, pela eliminação de locais de água parada – o que pode e deve ser feito por qualquer cidadão, conforme instruem as campanhas publicitárias veiculadas na mídia. Vale ressaltar que a destruição de áreas naturais no entorno dos núcleos urbanos, morada de eventuais predadores de mosquitos e outras chamadas pragas urbanas, dificulta sobremaneira as tentativas de controle dos vetores.
O besouro
Outro imigrante da África é Lagria villosa (do grego lagria, “lanugem”, e do latim villosa, “veludo”), um besouro castanho-metálico popularmente conhecido por aqui como idiamin. Introduzido no Brasil em 1976, o inseto foi vernacularmente batizado em alusão a Idi Amin Dada, ditador de Uganda. De acordo com a região de ocorrência, o idiamin recebe outras denominações populares, como bicho-capixaba, capixabinha (o primeiro registro da espécie para o Brasil foi no Espírito Santo), besouro-preto, besouro-dourado, cantárida, papa-pimenta, pimenta, potó-grande, potó-pimenta e vaquinha. Do Espírito Santo, logo se espalhou para outros Estados, tendo se estabelecido bem em áreas urbanas. No estado do Rio de Janeiro, por volta da década de 1980, os idiamins eram muito comuns tanto na capital e nos demais municípios da Região Metropolitana, quanto em muitas cidades do interior – com o tempo, a população do inseto invasor foi se estabilizando, sendo ele bem menos comum hoje em dia.
Como todos os besouros, o idiamin é classificado na ordem Coleoptera. Da família Tenebrionidae, subfamília Lagriinae, Lagria villosa é uma espécie cosmopolita, podendo ser encontrada em cultivos de inúmeras espécies vegetais, como, por exemplo, café, soja, feijão, milho, muitas frutas e hortaliças em geral. Embora não se compare ao poder danoso de um ditador humano, esse besouro é capaz de provocar problemas significativos às plantas cultivadas. Os adultos causam a destruição das folhas, reduzindo a área fotossintética, acarretando queda na produção. Particularmente no morangueiro, o dano econômico é significativo, pois a comercialização e a valorização do morango são baseadas na aparência da fruta. Assim, o dano causado nos frutos está diretamente ligado à redução da produção comercial. No cultivo da soja, vêm sendo registrados danos diretos a vagens e grãos. Uma vez mais, a destruição de áreas naturais, refúgio de potenciais predadores e parasitoides, tende a facilitar os incrementos populacionais do idiamin, potencializando seu dano econômico.
A efemérida
O Espírito Santo também foi porta de entrada para outro egresso da África, a efemérida Cloeon smaeleni (do grego Kléon, um general da Grécia Antiga, e de smaeleni, homenagem ao coletor de exemplares da espécie). Efemérida, efêmera e siriruia são alguns dos nomes vernaculares dados aos integrantes da ordem Ephemeroptera, um grupo de insetos pouco conhecidos da população em geral, aparentado às libélulas. As efeméridas são insetos cujas formas imaturas (as náiades ou ninfas) vivem em ambientes de água doce, enquanto os adultos são aéreos e vivem tempo suficiente apenas para a reprodução. Estão entre os insetos com maior potencial de utilização como bioindicadores das condições ambientais.
Em 2014, foi reportado no excelente estudo de Salles e colaboradores a inesperada presença de ninfas e adultos de Cloeon smaeleni no Espírito Santo. Como desde a primeira década do século XXI o território capixaba vem sendo palco de muitos inventários da fauna de insetos aquáticos, provavelmente a introdução da efemérida – espécie bem difundida por toda a região afrotropical – é recente. As ninfas podem ser encontradas em muitos tipos de águas lentas, como lagoas temporárias, reservatórios, lagos e trechos mais lentos de rios. Foram encontradas ninfas em local próximo a um porto, o que sugere uma possível chegada ao Brasil por navio.
Ao contrário dos outros dois imigrantes africanos mencionados acima, essas efêmeras não apresentam importância médica ou econômica conhecida. É difícil prever o impacto causado pela sua presença no Brasil. Como não se trata de um predador, mas sim um inseto aquático detritívoro, provavelmente não imporá riscos à fauna nativa, exceto por uma eventual competição por recursos.
Nesse caso, o componente faunístico local com nicho ecológico mais semelhante ao de Cloeon smaeleni são as espécies do gênero Callibaetis. Por sinal, tanto Cloeon quanto Callibaetis são pertencentes à família Baetidae. O novo imigrante originário da África parece estar disposto mesmo a conhecer seu novo país: desde o registro inicial no Espírito Santo, a espécie já foi observada no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
Esses são apenas três exemplos das muitas espécies de insetos que, embora não sejam genuinamente brasileiras, estão completamente estabelecidas em nosso país. Na sua totalidade, esses brasileiros naturalizados do mundo dos insetos incluem pragas agrícolas e urbanas, vetores de doenças, polinizadores, produtores de alimentos, predadores, parasitoides, fitófagos (que se alimenta somente de vegetais), terrícolas, aquáticos, edáficos (ligados ao solo). Alguns bem-vindos, outros nem tanto, muitos até indesejáveis, a verdade é que há toda uma diversidade de trabalhadores do mundo natural.
Voltando um pouco no tempo, isso lembra a trajetória de um certo macaco grande, de pouco pelo, que os cientistas batizaram de Homo sapiens e que começou a colonizar o Brasil há cerca de 13 mil anos – também originário da África, como o mosquito, o besouro e a efemérida. No final das contas, nativos ou naturalizados, somos todos brasileiros.
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