Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A Ecologia de Estradas é um tópico que vem sendo estudado há algumas décadas e sempre destaca a importância de avaliar o impacto das fatalidades em animais vertebrados. Contudo, os morcegos acabam sendo negligenciados e esquecidos nessas avaliações de impacto, principalmente por dificilmente os enxergarmos nas estradas e por acreditarmos que, pelo fato de voarem, não sofreriam tanto com as colisões com veículos. É nesse momento que nos enganos, porque o impacto das fatalidades das rodovias em morcegos pode ser tão crítico quanto em qualquer outro animal.
As rodovias ocasionam alterações no comportamento dos morcegos como em qualquer outro, podendo afugentá-los da região para o entorno devido às poluições sonora e visual dos veículos (efeito barreira); exigir que se dispersem mais para forragear devido á perda e à fragmentação de seu habitat (maior gasto energético); e atraí-los para as margens devido à disponibilidade de alimento (armadilha ecológica).
As espécies de morcegos no Brasil representam 25% das espécies de mamíferos que temos. Eles são, em sua maioria, frugívoros e insetívoros e necessitam de áreas com mata, tanto para se alimentar quanto para se estabelecer. Apesar de apresentarem a locomoção por voo, podendo se dispersar a longas distâncias, esses animais evitam áreas extremamente abertas, pois elas aumentam o risco de serem predados. Porém, as rodovias podem atrair muitos insetos por causa das luzes dos veículos e da própria estrada e pelas árvores com frutas e flores na beira da via, tornando-se um ambiente chamativo para os morcegos forragearem. Além disso, os morcegos insetívoros apresentam voos de baixa altitude e podem ser mais suscetíveis às colisões com veículos. Por incrível que pareça, eles são bastante afetados pelo impacto dessas colisões.
Os morcegos são muito pequenos, pesando entre quatro gamas e 200 gramas e medindo entre quatro centímetros e 15 centímetros (comprimento do corpo), o que dificulta bastante a detecção das carcaças e faz com que sejam rapidamente removidos das rodovias. A maioria dos estudos que avaliam as fatalidades de animais em rodovias realizam de carro as buscas por carcaças, o que dificulta muito a detecção de morcegos mesmo em baixas velocidades (40 km/h).
Ainda que fosse feito um monitoramento a pé na beira da rodovia, a detecção dos morcegos seria baixa. Além disso, eles podem ser removidos pelas correntes de ar, que carregam os animais para longe das estradas, impossibilitando a contabilização dessas carcaças; pelo tráfego, que pode desgastar a carcaça ou tirá-la da estrada; e por outros animais carniceiros que se alimentam. Logo, qualquer estimativa de fatalidade realizada para morcegos estará muito subestimada. A quantidade desses animais mortos vai muito além do que conseguimos calcular.
Como os morcegos são animais de baixas taxas reprodutivas e alta mobilidade, o que dificulta o aumento no número de indivíduos nas populações, eles se tornam suscetíveis a declínios e até extinções locais por consequência dos impactos antrópicos, incluindo as colisões com os veículos nas rodovias.
Existem algumas propostas de medidas de mitigação para morcegos em rodovias, Em geral, são estruturas direcionadoras, como as bat bridges ou bat granties, que são pontes abertas para os morcegos cruzarem as rodovias. Dentre as estruturas de pontes existe uma variação de designs – já abordamos uma dessas em outro artigo. Alguns designs já foram apontados como pouco eficientes e, por isso, vêm sendo aprimoradas. Mas esse é um trabalho que leva tempo e dedicação para poder estabelecer uma medida efetiva. Os estudos sobre os impactos das rodovias nos morcegos são recentes, com muito ainda a ser estudado e com diferentes métodos de mitigação para redução das fatalidades a ser analisado.
O impacto das rodovias em morcegos vem sendo mais estudado na última década, principalmente na Europa. Porém, o Brasil por ser um dos países com maior diversidade de espécies de morcegos deveria dar mais atenção aos impactos das rodovias para reduzir o número de atropelamentos. Esses animais são os principais controladores naturais de insetos, auxiliam na polinização e dispersão de sementes, sendo os maiores reflorestadores naturais. Eles prestam um serviço ecossistêmico enorme sem percebermos e merecem a nossa atenção, valorização e mais estudos que avaliem como amenizar o impacto das estradas em suas populações.
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