Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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Aqui onde moro, em Niterói (RJ), nos dias em que o mar está mais bravo ou que há vento forte, já sabemos que a areia ficará cheia de lixo trazido pelas ondas. No geral, são garrafas pet, potes e sacos de plástico, brinquedos, balões e fragmentos de todo tipo. Em dias de resseca já chegou a aparecer cadeira, pedaços de uma geladeira e capacete no meio de uma infinidade de outros lixos. Todos esses detritos provenientes da baia de Guanabara, um lugar lindo, mas que atualmente parece uma grande cloaca devido a todo lixo e poluição que são ali despejados.
A poluição dos mares pelo lixo produzido pelo homem não é só uma questão da baia de Guanabara e sim um problema global. A ingestão, pelos animais, desses detritos jogados no mar é uma ameaça à biodiversidade marinha – estima-se que 6,4 milhões de toneladas de lixo são jogados nos mares todos os anos. O plástico constitui de 60% a 80% do lixo marinho e pode persistir por centenas a milhares de anos. Uma grande variedade da fauna e dos ambientes marinhos estão sofrendo as consequências deletérias desse acúmulo de detritos.
A fauna marinha pode ser afetada pela ingestão desse lixo. Esses corpos estranhos podem causar obstruções do trato digestório levando o animal à morte, comprometer a capacidade de se alimentarem ou dificultar a digestão adequada dos alimentos causando má nutrição, doenças, diminuição do sucesso reprodutivo, do crescimento e da longevidade. Além do risco da ingestão do lixo, os animais estão expostos a fontes adicionais de toxinas, que dependendo da substância, podem ser transferidas da presa para o predador na cadeia alimentar.
O impacto do lixo em diversos animais, como por exemplo os cetáceos (baleias e golfinhos), é difícil de ser determinado pois depende dos dados coletados de indivíduos que aparecem mortos na costa. Os espécimes que chegam à costa representam apenas uma pequena porcentagem do que está ocorrendo dentro dos mares. Uma revisão realizada por Baulch e Perry (2014) encontrou relatos de ingestão de lixo em 48 espécies de cetáceos que morreram, o que representa 56% de todas as espécies existentes. Os principais detritos encontrados foram plástico, seguidos por aparatos de pesca.
Para as aves marinhas, o lixo que está na superfície da água apresenta um grande risco. Estima-se que há 250 mil toneladas de lixo boiando nos oceanos e aves marinhas são grupo mais ameaçado de aves no mundo. Em 2050, há previsão de que 99% de todas as espécies de aves marinhas irão ingerir lixo humano. A probabilidade de o animal morrer está relacionada à quantidade de lixo que ele ingere, sendo que alguns itens são mais perigosos do que outros. Em um estudo publicado por Roman e colegas (2019) observou que os plásticos flexíveis e balões possuem, respectivamente, 14 e 32 vezes mais chances de causar mortalidade em aves marinhas do que os plásticos rígidos.
Em tartarugas marinhas, um trabalho realizado no Brasil demonstrou que a ingestão de corpos estranhos tem um alto potencial de causar a morte desse animais. O plástico foi encontrado em 89,2% dos animais, sendo que os mais comuns foram plásticos descartáveis como canudos, copos e sacos. Um outro trabalho com tartarugas marinhas na costa do Rio Grande do Sul identificou que 13% dos animais examinados morreram devido a ingestão de lixo, sendo os sacos plásticos os mais comumente ingeridos pelos animais.
A maior parte dos produtos que consumimos hoje possuem plástico. Não há como retirarmos todos os lixos dos oceanos. A primeira e mais imediata atividade que pode ser feita é a diminuição da produção, consumo e descarte dos lixos no mar. Eu o convido a observar o quanto de lixo não orgânico você produz por semana. O que você acha que pode fazer para diminuir esse lixo?
Referências
– Baulch, S.; Perry, C. 2014. Evaluating the impacts of marine debris on cetaceans. Marine Pollution Bulletin, 80(1-2): 210-221.
– Bugoni, L. et al. 2001. Marine debris and human impacts on sea turtle in Southern Brazil. Marine Pollution Bulletin, 42(12): 1330-1334.
– Roman et al, 2019. A quantitative analysis linking seabird mortality and marine debris ingestion. Scientific Reports, 9(3202).
– Santos, G.S. et al. 2015. Debris ingestion by juvenile marine turtles: An underestimated problem. Marine Pollution Bulletin, 93 (1-2): 37-43.
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