O combate aos crimes ambientais e o sistema público

Os órgãos e setores de combate aos crimes e infrações ambientais estão cheios de problemas adquiridos. Um deles é que o mundo muda rapidamente e a máquina estatal não acompanha essas mudanças com a mesma velocidade. E, em meio à estagnação e colapso moral do sistema estatal, a vítima da vez foi uma capivara.

Nós, os “iluministas” da natureza, decidimos que existem duas categorias de animais pertencentes à mesma espécie: a que pode viver livremente na natureza e a que deve padecer nas pesquisas, nas jaulas ou ser abatida e servida em restaurantes. Submetemos às normativas demagógicas aves silvestres que vivem livres na natureza e outras que “vivem” engaioladas, submetidas às “caixas de canto” e, posteriormente, às exposições.

Se temos alguns influencers denunciando a questão da capivara, temos outros criando e propagandeando indivíduos dessa mesma espécie para o abate, “influenciando” você, leitor, a passar um final de semana num hotel fazenda ou restaurante rural desfrutando de uma linda vista com famílias desses mesmos animais, passeando pela propriedade. E desde que estejam quites com as obrigações administrativas, ganham até selo de idoneidade e qualidade de algum órgão fiscalizador.

Essa questão toda me faz pensar: não seriamos todos nós – cada um em sua devida categoria – algum tipo de influencer? Estamos escrevendo e publicando aqui para quê? Os políticos nos quais votamos, responsáveis por essas normativas, muitas das vezes desfocadas, são eleitos para quê, se não para serem influencers de algum projeto social “inovador”?

Não estaríamos transferindo o resultado das nossas escolhas para animais indefesos que só desejam viver em paz, exercendo sua função biológica? Faz tempo que os subjugamos. A liberdade de escolhas não está restrita aos humanos. Sofremos do especismo – algo que nos é primitivo – e ainda queremos atribuir significado moral às atitudes dentro da linhagem genética de outro ser. Conseguimos nos desvencilhar do pensamento tacanho de que, além de nós, todos seriam irracionais para algo mais evoluído como “seres sencientes e de fenótipo estendido”? Será que conseguiremos algum dia nos livrar das desculpas e adjetivos de ocasião? Nosso principal problema não é a capivara, e sim a péssima educação formal e a pobreza.

No sentido prático, vivemos em um país em que significativa parte da população padece da miséria, isso em meio a uma riqueza natural absurda. Nessa equação, sobra para os mais fracos: as pobres almas retiradas dos hábitats e enviadas para seja lá onde for.

Discutimos isso há anos em simpósios, trabalhos acadêmicos e reuniões on-line. Resultado? Reclamações e pedidos de verbas e mais verbas. Se entendemos o diagnóstico, por que não temos a solução? Porque o Estado se faz ineficiente para assuntos que não o interessam; assuntos cuja raiz comum são miséria e ignorância. Se existe inutilidade nos primeiros, haverá incapacidade para lidar com o segundo.

Tráfico de animais e pobreza
Sabemos a origem da maior parte desses animais, basta analisar os dados do IBGE: das 50 cidades mais pobres do Brasil (considerando os 5.565 municípios), dez ficam no Norte e no Nordeste – três na Bahia, duas no Ceará, duas no Pará e duas no Amazonas, apenas uma no Sudeste e outras 40 localizam-se no Maranhão. Alguém acredita que a pobreza não se relaciona com o tráfico de animais, sendo que, se fizermos a sobreposição das rotas, o encaixe será quase perfeito?

Alguém acredita que países fronteiriços miseráveis não participam dessas rotas, escoando animais silvestres através de organizações criminosas? Isso, em tempos em que postos de fronteira internacional de fiscalização padecem de desaparelhamento ou, em caso recente, de desativação na fronteira do nosso país com um determinado narcoestado. Tempos em que o compadrio resolveu não incomodar garimpos administrados por certa organização criminosa em região que parece estar se transformando em um imenso protetorado?

Centros de triagem e reabilitação
Para finalizar, gostaria de falar especificamente sobre os centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetas, Cras ou Cetras). Reconheço o esforço de todos os profissionais que neles atuam. Sobram talentos e faltam recursos. Pela pouca experiência em encaminhar animais para esses estabelecimentos (sempre preferi os zoológicos filiados a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB) e próximos dos locais de apreensões), talvez minha percepção esteja equivocada, mas o maior problema é a reintrodução de animais já, em tese, reabilitados. Em ações mais pragmáticas, os zoológicos praticam a quase imediata soltura dos espécimes endêmicos que não apresentam patologias. Questionável? Sim! Porém, aconselhável, levando em conta os recursos a serem divididos entre tantos seres. Daí a importância de fortalecer os centros de triagem das regiões Norte e Nordeste, áreas de onde parte a maioria desses animais.

A única certeza sobre os problemas é que, se não forem resolvidos, permanecerão problemas.

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