Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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A ideia de alguém “colocar um bode na sala” tem relação com o incômodo da sua presença e que, com o tempo, se torna insuportável. Quando o bode é retirado, o alívio é enorme. Pois bem, a metáfora serve para o momento atual. E falo apenas por mim (e não em nome de qualquer instituição) e creio não precisar de mais explicações. O fato é que minha alma está leve e a esperança em um futuro promissor voltou a reinar no meu interior, mesmo sabendo que os desafios a serem enfrentados serão imensos. Peço desculpas ao bode, pois ele nada tem a ver com isso e essa história foi injustamente criada pelos humanos.
Vários animais são estigmatizados como o bode. Por exemplo, chamar alguém de anta é desconhecer por completo sua natureza. As antas são animais dóceis, gentis e têm um papel importantíssimo de disseminar sementes, sendo inclusive chamadas de “jardineiras das florestas”. Enriquecem seus habitat espalhando novos brotos de árvores quando defecam, o que ocorre em grandes territórios, pois são andarilhas de imensas distâncias. As antas são vegetarianas (e talvez por isso sejam tão calmas?). Os carnívoros que me perdoem, mas quem não come carne por opção é porque escolheu não compactuar com a morte de animais e menos ainda de os ingerir, o que os torna tranquilos com sua consciência, pelo menos nesse quesito.
As antas têm sido foco de atenção da pesquisadora e co-fundadora do IPÊ, Patricia Medici, que há mais de 25 anos as estuda em diversos biomas brasileiros. Patricia tem um Ted Talk com mais de um milhão de views e foi entrevistada pelo Jô Soares para falar sobre a espécie que escolheu defender em sua vida. Essas são apenas algumas das estratégias para divulgar sua paixão e seus conhecimentos sobre as antas.
A criatividade da Patricia é invulgar. Uma campanha #antaÉelogio foi idealizada por Luccas Longo com sua participação para “desestigmatizar” as antas como seres não inteligentes. Criaram antas simpáticas como parte dessa campanha a serem usadas como emojis em mensagens de celular.
Recentemente, Patricia criou uma novela chamada “pANTAnal”, que foi ao ar no mesmo período da telenovela da Globo. A anta, claro, é a heroína e merecedora de aplausos.
Mas as injustiças direcionadas às antas levaram Patricia a se juntar a outro designer, além de Luccas Longo, Ronald Rosa, ambos igualmente amantes da espécie. Juntos criaram materiais de divulgação para chamar a atenção para determinados estereótipos que precisam ser desmistificados, sempre tendo a anta como protagonista. Nas ilustrações de Ronald Rosa, estão alguns desses exemplos.
Chamar alguém de cachorro deveria ser elogio, já que ele é conhecido como melhor amigo do homem. Mesmo que alguns possam ser agressivos, a maioria dos cães é amigável e fiel, o que faz esse xingamento soar como traição. Afinal, quem difamaria seu melhor amigo?
Pobres burros! Esses animais são fortemente estigmatizados como pouco inteligentes. No entanto, têm qualidades imensas, como saberem voltar para casa tomando sempre os rumos corretos, ou devendo ser valorizados por ajudarem os humanos em serviços pesados de roças e plantios. Nem assim escapam!
Em nossa sociedade, magreza é sinônimo de elegância. Chamar alguém de baleia é não reconhecer a suavidade de seus movimentos, o cuidado que esses imensos mamíferos têm com suas crias e até com pessoas que deles se aproximam. As baleias, assim como os golfinhos, são conhecidas por sua inteligência e delicadeza, qualidades que deveriam ser apreciadas e copiadas pelos humanos, que muitas vezes não as têm.
Xingar alguém de cavalo infere que a pessoa seja bruta e grosseira. Mas quem já viu um cavalo praticando adestramento? São tantas as modalidades de “danças” que esses animais são capazes de fazer, que a brutalidade passa a não existir em nenhum de seus movimentos. Grosseiro em geral é quem os chama de nomes difamatórios!
Outro animal estigmatizado culturalmente são as serpentes. Chamar de cobra significa que a pessoa é traiçoeira. Mas quem conhece as serpentes sabe que raramente atacam. Quando o fazem é para se defender, diferentemente dos humanos que muitas vezes agridem sem necessidade alguma.
O xingamento de “piranha” é de um machismo absurdo que precisa ser combatido. Isso posto, é preciso lembrar que as piranhas possuem grande vigor em buscar o que desejam e assim cumprirem seu papel na natureza. Belos exemplos de tenacidade!
Os porcos simbolizam sujeira pelos parâmetros humanos de limpeza. Porém, George Orwell, em seu famoso livro Animal Farm (A Revolução dos Bichos), os colocou como os mais inteligentes e sagazes. Essas qualidades não coincidem com os xingamentos usados, que nem deveriam existir. A sujeira muitas vezes está em quem os coloca em recintos mínimos, os aprisionando de forma indigna e cruel.
E a tartaruga que virou símbolo de lerdeza. Quanta injustiça! Seu ritmo é lento pela sua conformação física, que aliás tem imensos benefícios. Imaginem as vantagens de carregar sua morada, seu abrigo nas costas e ainda conseguir se locomover? Esses animaizinhos existem há milhares de anos e têm mostrado resiliência a muitas mudanças planetárias. Quero ver quem terá mais capacidade de adaptação às mudanças climáticas: as tartarugas ou a espécie humana? O tempo dirá!
Xingar uma pessoa de vaca é grosseiro… Ai de mim se algum dia eu tivesse usado uma expressão como essa direcionada a quem quer que fosse! E quem o faz não reconhece o valor do leite que é produzido pela vaca e que supre tantas vontades humanas como sorvetes, bolos, doce de leite e demais guloseimas, para mencionar apenas algumas. Vaca, assim como anta, deveria ser elogio.
Oh, dó! Chamar alguém de verme é reduzi-lo a quase nada. Mas os vermes não são “nada”! Vermes existem por alguma razão para o bem ou para o mal, assim como quase todos os seres, inclusive os humanos, não? Mas o destino hoje de quase tudo está em mãos humanas e por isso nossa responsabilidade de trazer o melhor de cada um pode depender da postura que assumimos, inclusive perante os vermes.
Finalmente, a última ilustração do Ronald é da anta com a galinha. Chamar alguém de galinha é semelhante ao xingamento da piranha, outra vez mostrando um machismo retrógrado. Boff nos traz uma linda história em seu livro A Águia e a Galinha, que reforça o poder da águia de alçar voo, enquanto as galinhas ciscam o chão e não percebem seu potencial de transformação. Mas vou aqui defender as galinhas, que nos dão ovos continuamente que nos nutrem e complementam nossa alimentação, além se serem utilizados até na produção de vacinas.
Espero ter ilustrado minha ideia de como os animais são injustamente estigmatizados. A ideia começou com meu desabafo do bode na sala, também usando uma metáfora descabida, o que peço desculpas ao bode e ao leitor. Mas, a verdade é que a educação ambiental precisa desconstruir essas imagens nefastas, que são frutos de desconhecimento sobre o valor de cada ser e de nossa vasta biodiversidade.
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