Nova campanha de repatriação de dinossauro no ar: #IrritatorbelongstoBR

Aproveitando a onda da repatriação do Ubirajara jubatus, um novo movimento foi lançado pela comunidade paleontológica brasileira sobre um outro fóssil de dinossauro traficado do país. Dessa vez trata-se do Irritator challengeri, um dinossauro espinossaurídeo da Chapada do Araripe (CE). O fóssil encontra-se, atualmente, no Museu Estadual de Ciências Naturais de Stuttgart, na Alemanha.

A espécie foi descrita em 1996 a partir de um crânio parcialmente preservado. Na época em que foi adquirido, o focinho do material fora completado artificialmente pelos traficantes para aumentar seu valor de venda, mas os pesquisadores perceberam que a parte reconstituída não era osso e, com razão, não a consideraram na descrição. Isso gerou irritação, ou raiva, dos pesquisadores, levando-os a cunhar gênero Irritator.

A espécie foi inicialmente classificada com um dinossauro terópode maniraptor, mas, no mesmo ano, essa indicação foi contestada e sugerida como um espinossaurídeo. Anos mais tarde, com a preparação completa do crânio, constataram semelhanças com o Spinosaurus e, então, confirmaram que pertencia à família Spinosauridae. Até foi levantado a hipótese de que as duas espécies poderiam representar uma só, mas novas descrições de partes cranianas do Spinosaurus favoreceram a distinção entre ambas.

Ainda no ano de 1996, a ponta do focinho de outro espinossaurídeo foi descrita por pesquisadores brasileiros e chamado de Angaturama limai. Houve especulações de que essa espécie e o Irritator poderiam ser a mesma, ou até mesmo do mesmo espécime, já que a parte corporal do Angaturama representava justamente a parte que faltava no crânio do Irritator. Mas pesquisas subsequentes indicaram que provavelmente não são a mesma espécie porque o Angaturama seria maior e os ossos de ambas possuem características de preservação diferentes.

Vários artigos estudaram o Irritator desde então, mas em um contexto mais amplo sobre grandes grupos de dinossauros. Até que, recentemente, uma equipe de pesquisadores europeus resolveu redescrever a espécie usando um modelo tridimensional do crânio do único espécime, o mesmo que está no museu de Stuttgart. O modelo foi criado usando um tomógrafo para que os paleontólogos pudessem estudar porções mais internas do crânio e analisar ossos e cavidades cranianas que não eram possíveis de serem vistos externamente.

Colonialismo científico

O artigo foi publicado. Porém, os brasileiros não deixaram passar novamente. Houve uma reação imediata sobre o espécime ter sido traficado e como isso violava várias questões legais brasileiras e éticas, focada especialmente no colonialismo científico. No artigo, houve uma seção específica em que os autores tratavam sobre esse assunto – o que merece ser destacado –, mas tentaram se justificar e se eximir com relação ao fóssil traficado, fazendo um paralelo entre quando o fóssil foi adquirido (antes de 1990) e quando as leis e acordos foram formalizados (mesmo a lei de 1942, que atesta fósseis como patrimônios da União, não seria suficiente). Apesar do esforço em tratar da ética da aquisição do fóssil, o texto pareceu mostrar como se estivessem de mãos atadas e não pudessem fazer nada a respeito (nem mesmo uma tentativa de repatriação). E sabe-se que não é verdade, visto que o fóssil do Ubirajara foi recentemente repatriado.

Com a manifestação decorrente da publicação do artigo, houve uma declaração do editor executivo da revista na qual foi publicado dizendo que apoiava a repatriação (assim como dois autores do estudo) e que removeria o artigo do ar. Ainda que isso tenha ocorrido, o artigo está disponível.

Fato é que o caso do Irritator é mais um em que o colonialismo científico se aplica entre Brasil e Alemanha. O próximo passo é agir em conjunto com o Itamaraty para fazer o pedido de repatriação – o que já tem acontecido – e torcer para que seja, no mínimo, menos conturbado do que o caso anterior.

Espera-se também que, tendo em vista esses problemas éticos, os pesquisadores estrangeiros se sensibilizem sobre os patrimônios estrangeiros que detêm e ajam em consonância com as leis e a história dos países de origem.

Referências
– Canal do YouTube Colecionadores de Ossos, Shorts, https://www.youtube.com/shorts/fXqvb6_PZDk. Acesso em: 14 de agosto de 2023.
– Kellner AWA, Campos DA. 1996. First Early Cretaceous theropod dinosaur from Brazil with comments on Spinosauridae. N Jahrb Geol Paläontol A. 199: 151–166.
– Martill DM, Cruickshank ARI, Frey E, Small PG, Clarke M. 1996. A new crested maniraptoran dinosaur from the Santana Formation (Lower Cretaceous) of Brazil. Journal of the Geological Society. 153: 5–8.
– Schade M, Rauhut OWM, Foth C, Moleman O, Evers SW. 2023. A reappraisal of the cranial and mandibular osteology of the spinosaurid Irritator challengeri (Dinosauria: Theropoda). Palaeontologia Electronica, 26(2):a17.
– Sales MAF, Schultz CL. 2017. Spinosaur taxonomy and evolution of craniodental features: Evidence from Brazil. PLoS ONE 12(11): e0187070.