
Análise de Dimas Marques
Editor-chefe
dimasmarques@faunanews.com.br
Tubarão é um bicho que, no imaginário das pessoas, está ligado a agressividade, morte, medo e uma infinidade de simbolismos ruins. Se você perguntar para alguém qual a importância desses peixes na natureza, dificilmente terá uma resposta correta ou, se bobear, sequer terá uma resposta.

No século 20, a imagem de assassinos calculistas dos tubarões ganhou o mundo com o filme Tubarão, de 1975, dirigido pelo famoso Steven Spielberg.
Passados mais de 45 anos do lançamento desse clássico do cinema, certas cenas ainda se repetem. Vejamos…
Duas pessoas foram mordidas por tubarões em Ubatuba. O município é um dos principais centros turísticos do litoral paulista, com dezenas de lindas praias emolduradas por Mata Atlântica ainda conservada. Os casos aconteceram na praia do Lamberto, em 3 de novembro, onde um turista francês acabou com um ferimentos pequenos em uma das pernas, e 11 dias depois na praia Grande, uma das mais frequentadas. Nesse segundo caso, uma moradora de Minas Gerais de 79 anos, que foi para a cidade passar o feriado da Proclamação da República, sofreu um ferimento maior em uma das panturrilhas. Em ambos, os feridos passam bem.
Um dos maiores especialistas em tubarões do país e coordenador do Laboratório de Pesquisa de Elasmobrânquios da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Otto Bismarck Fazzano Gadig, está estudando os dois casos e afirmou se tratarem acidentes com tubarões, indicando, inclusive, as possíveis espécies envolvidas: tubarão-tigre ou tubarão-cabeça-chata. Afinal, a primeira pergunta a ser respondida nesse tipo de ocorrência é o que causou os ferimentos.

O Fauna News teve acesso ao laudo preliminar do caso de 14 de novembro, em que Otto atesta que “o agente causador do trauma foi uma espécie de tubarão de médio a grande porte, com cabeça arredondada, focinho curto (morfologia acompanhada pelo contorno do maxilar superior), de boca proporcionalmente larga em relação ao comprimento, dentes largos, serrilhados, moderadamente recurvados e com espaçamento interdental (considerado aqui entre as pontas dos dentes) igual ou maior do que a altura da coroa dos dentes (sobretudo na região frontal e lateral da mandíbula). Essas características remetem exclusivamente a duas espécies: 1) tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier) e cabeça-chata (Carcharhinus leucas), habitantes da fauna regional de tubarões da costa de São Paulo e cuja presença na região não deve ser considerada anormal. Ambas são formidáveis predadores costeiros de grande tamanho quando adultos, que se alimentam basicamente de peixes de médio porte, e que utilizam a região costeira para cumprir suas funções e processos naturais, como alimentação e busca de áreas adequadas para reprodução.”
Assim como aconteceu no filme Tubarão, em que o prefeito da localidade dos EUA se negou a ouvir um cientista que confirmou haver ataques de tubarão, a prefeita de Ubatuba, Flavia Pascoal (PL), fez o mesmo. Em um vídeo publicado ontem, 21 de novembro, em seu perfil no Facebook, ela simplesmente afirma que “não condiz com a verdade” os acidentes com tubarão divulgados pela mídia. Detalhe importante: a gravação foi feita três dias após a divulgação do laudo de Otto.
“A filha da senhora disse que a mãe dela estava com água para baixo da metade do joelho e, quando veio uma onda, ela caiu, Assim que levantou ela estava cortada e havia muitas pessoas em volta e ninguém viu peixe nenhum”, disse a prefeita Flavia no vídeo. Não há, portanto, qualquer sustentação técnica na fala da prefeita.
Guardadas as devidas proporções entre o irreal mundo criado por Steven Spielberg no filme Tubarão e os casos ocorridos em Ubatuba, o negacionismo da prefeita Flavia Pascoal chama a atenção. Ela está contribuindo com o processo de esvaziamento da credibilidade da Ciência brasileira capitaneado pela gestão de Jair Bolsonaro.
Por que não entrar em contato com o pesquisador da Unesp ou com tantos outros biólogos competentes que residem em Ubatuba para, publicamente, explicar o que ocorreu e acalmar a população, relatando que os tubarões sempre existiram na costa da região e não há motivos – até o momento – para suscitar uma onda de ataques de tubarões?
Otto deu uma boa entrevista para a LN1, que vale ser assistida.
Negacionismo, seja pelo dinheiro dos turistas ou por qualquer outro motivo, só escancara o atraso dos gestores públicos do país. Além disso, contribui para manter a população longe das informações que realmente interessam e podem influenciar nas tomadas de decisões.
Os casos envolvendo tubarões em Ubatuba devem ser tratados com cautela, mas, sobretudo, com transparência.