![Fauna News](https://faunanews.com.br/wp-content/uploads/2022/12/Fig.3_Ariranha-Neewi_FernandaFarias.jpg)
Por Gisele de Castro Maciel Valdevino¹ Vera Maria Ferreira da Silva²
¹Bióloga, mestre em Diversidade Biológica e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior (PPGBADPI) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), atuando no Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia da Associação dos Amigos do Peixe-boi (Ampa)
²Bióloga, mestre em Biologia de Água Doce e Pesca Interior e doutora em Mammalian Ecology and Reproduction pela Universidade de Cambridge (Inglaterra). É pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordena o Projeto Boto na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e o Projeto Mamíferos Aquáticos da Amazônia, da Associação dos Amigos do Peixe-boi (Ampa)
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O Laboratório de Mamíferos Aquáticos (LMA) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) mantém em cativeiro ariranhas desde 1983, quando o explorador francês Jacques Cousteau veio à Amazônia. A equipe de Cousteau manteve um macho jovem domesticado no famoso barco Calypso durante algumas semanas na sua passagem pela região. Ao chegar em Manaus, este animal, que era carinhosamente chamado de Cacha pela equipe francesa, foi então doado ao Inpa, onde ficou durante nove anos.
Em homenagem aos povos originais do Amazonas, Cacha recebeu novo nome e foi batizado de Ticuna. Desde então, o Inpa recebeu vários filhotes de ariranha, resgatados por agentes ambientais, que muitas vezes eram tão pequenos que precisavam ser amamentados e cuidados dia e noite por pesquisadores e tratadores dedicados.
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Características das ariranhas
As ariranhas pertencem à ordem Carnívora e são os maiores representantes da família dos mustelídeos. Podem atingir até 180 centímetros de comprimento e pesar 32 quilos. São animais que dependem do ambiente aquático para sua sobrevivência, mas precisam também de áreas secas e de terra firme. Suas patas possuem cinco dedos ligados por membranas interdigitais e a cauda é achatada dorsoventralmente para auxiliar na natação.
O corpo é alongado, com pelos curtos de cor marrom escuro, com manchas claras na região da garganta e pescoço, que podem ser usadas como identificação individual. Os olhos são grandes e protuberantes e possuem vibrissas sensitivas na região do rosto (popularmente conhecidos como bigodes). A dentição é típica dos carnívoros, com poderosos caninos e dentes rasgadores.
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As ariranhas são endêmicas da América do Sul, ou seja, só ocorrem nessa região do planeta. A espécie tinha ampla distribuição, que ia desde o norte do continente, incluindo a bacia amazônica, até o norte da Argentina. Porém, a caça comercial para a obtenção de pele foi a principal causa do declínio populacional desses animais.
Desde 1972, a espécie encontra-se listada na categoria de Ameaçada de Extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Outras ameaças, além do roubo de filhotes para fins comerciais, são a destruição do seu hábitat e o uso exploratório em atividades turísticas.
A história de Ñeewi
Mas o que queremos neste texto é contar um pouco da história da Ñeewi, uma ariranha fêmea que chegou ao Inpa em dezembro de 2002, com cerca de dois meses de vida. Ela foi provavelmente vítima do roubo de filhotes, prática comum na região. Um filhote de ariranha, depois que nasce, permanece dentro da toca por cerca de quatro semanas. Ñeewi recebeu cuidados veterinários, foi alimentada com mamadeira por várias semanas e desde então vive no Instituto.
As ariranhas são animais extremamente territoriais, sociais e vivem em grupos familiares, características que dificultam a reintrodução na natureza dos animais removidos de seus grupos quando filhotes. Em cativeiro, vivem cerca de 20 anos e o registro do animal mais longevo na natureza foi de 15 anos. Ñeewi já vive há 20 anos aos cuidados do Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Inpa, atingindo a data limite de vida conhecida para a espécie em cativeiro.
Nessas duas décadas, Ñeewi dividiu o recinto com duas outras ariranhas, os machos Tuaka e Wiki, ficando sozinha no recinto após a morte dos dois em 2002 e 2004, respectivamente. Em outro recinto ao lado, separadas por uma grade, morava a Wani, uma ariranha fêmea que também chegou filhote e foi criada no laboratório. Mesmo sem interagir diretamente com a Ñeewi, ambas faziam companhia uma à outra. Em 2016, Wani veio a óbito deixando a Ñeewi sozinha no cativeiro durante longos quatro anos, triste e desanimada.
No início de 2020, chegou ao Inpa um filhote macho, resgatado pelos agentes da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema/AM), que estava sendo criado como pet em uma comunidade ribeirinha. No instituto, recebeu o nome de Cuieiras em referência à sua área de origem. Em um processo de aproximação, depois de algumas semanas, Cuieiras e Ñeewi foram colocados juntos no mesmo recinto com grande sucesso.
Em 2021, chegaram outros dois filhotes machos, Ipixuna e Anawira, que estavam em situação semelhante a de Cuieiras, sendo que Anawira ainda precisou receber dieta láctea e cuidados especiais. Durante um período de poucos meses, esses filhotes ficaram em recintos separados, mas em contato próximo. Posteriormente, eles foram colocados todos no mesmo recinto.
Ñeewi adotou de forma excepcional os três filhotes e, desde 2022, eles vivem como um grupo coeso e harmônico. Ao lado desses, agora jovens ariranhas, apesar dos seus 20 anos, Ñeewi rejuvenesceu! Está bem mais ativa e alerta, interage e até mesmo participa das inúmeras brincadeiras e atividades desse novo e alegre grupo. Torcemos para que a Ñeewi tenha vida longa, bata recordes de longevidade e, junto aos seus novos companheiros, continue alegrando os alunos, estudantes e visitantes do Bosque da Ciência no Inpa, ajudando na difusão da importância da conservação dessa espécie ameaçada.
Como mencionado, o roubo de filhotes, muitas vezes com a morte da mãe ou de vários membros do grupo, é uma prática ainda vigente na Amazônia brasileira, como revelam os registros de animais resgatados que chegam ao Inpa e de outros centros de reabilitação na região. É fundamental que medidas de proteção e cumprimento das leis ambientais e de conservação de espécies ameaçadas sejam estabelecidas, juntamente com programas de educação ambiental sobre a importância desses animais para os ecossistemas. Essas medidas ajudariam a evitar a manutenção de indivíduos em cativeiro.
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