Veterinária, mestra em Epidemiologia, doutora em Patologia e com pós-doutorado pela San Diego Zoo Institute for Conservation Research (EUA). É professora de Medicina de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisadora colaboradora do Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação – Tríade
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A grande biodiversidade do Brasil faz dele um dos principais centros de tráfico de animais silvestres do mundo. O tráfico se dá pela a retirada de espécimes da natureza para que possam ser vendidos. Esse comércio tem contribuído substancialmente para o empobrecimento da diversidade da fauna do país, aumentando o risco de extinção de inúmeras espécies, muitas ainda pouco conhecidas. Segundo Giovanini (2001), no Brasil existem duas modalidades básicas desse comércio: o tráfico interno, caracterizado por ser desorganizado e realizado por pequenos comerciantes e pessoas com baixo poder socioeconômico, e o tráfico internacional, sofisticado, que inclui espécies raras e pessoas de alto escalão envolvidas.
O tráfico de animais silvestres no Brasil, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS, 2006) pode ter quatro destinos diferentes: colecionadores particulares (essa categoria prioriza as espécies mais ameaçadas), biopirataria (nesse grupo estão espécies que podem fornecer substâncias que servem como base para pesquisa e produção de medicamentos). pets (inclui quase todas as espécies da fauna brasileira, sendo considerada a categoria que mais incentiva o tráfico) e confecção de produtos como adornos e artesanatos de couro, peles, penas, dentes e garras de animais.
As consequências do tráfico de animais silvestres vão além da diminuição de exemplares da natureza. Elas podem ter implicações sanitárias, econômicas, sociais e ecológicas. Os animais apreendidos, devido ao grande estresse sofrido na captura e transporte, apresentam quadros de severa imunossupressão e, consequentemente, manifestação de diversas doenças, desde zoonoses até uma série de enfermidades transmissíveis aos animais domésticos (RENCTAS, 2006).
Alguns animais traficados são apreendidos pelos órgãos ambientais e a maior parte dos animais é devolvida à natureza sem uma normatização e nem sempre em sua área original de distribuição geográfica. Essa destinação possivelmente determina o óbito de muitos desses indivíduos, podendo gerar a introdução de novos patógenos ou aumento significativo deles em populações naturais, possivelmente causando grandes desastres ambientais, que até o presente momento não foram estudados (GODOY, 2006).
Quando um animal é solto na natureza, ele está acompanhado por um conjunto de organismos, incluindo vírus, bactérias, fungos, além de endo e ectoparasitas. Qualquer um destes agentes pode causar doenças em situações de estresse, afetando não só o animal libertado, mas também outros que já estavam na no ambiente e até mesmo o homem. Uma vez liberado na natureza, é muito difícil a sua recaptura ou o controle dos patógenos potenciais que ele carreia. Isso leva a necessidade de seguir um protocolo exigente que auxilie na tomada de decisões e avalie os riscos da soltura dos animais.
Muitos são os fatores que devem ser considerados quando é feita a soltura de um animal silvestre na natureza, sendo o aspecto sanitário apenas um deles. Juntamente à saúde animal, deve ser realizado também análise da área de soltura, do comportamento, do condicionamento físico e da genética dos animais que serão liberados, assim como das populações naturais da área selecionada. Após a liberação dos animais, é necessário também um período de monitoramento, que avalia os efeitos da soltura sobre as populações naturais do local e sobre os indivíduos liberados. Ela é essencial para avaliar o sucesso do programa.
Portanto, não basta apenas “abrir a gaiola”. A destinação da fauna apreendida do tráfico é um processo complexo e oneroso. O ideal é que os animais não sejam retirados de seus ambientes naturais e, para tanto, há a necessidade de elaboração de novas políticas públicas, que englobem uma melhor fiscalização e o incentivo a novas opções de renda às populações que vivem da retirada de animais na natureza, assim como a educação da população para que não comprem animais selvagens no mercado ilegal.
Referências
– GIOVANINI, D. Diagnóstico del comercio ilegal da fauna brasileña. In: NASSAR-MONTOYA, F; CRANE, R. (Ed.). Actitudes hacia la fauna en Latinoamérica. Washington DC: Humane Society Press, 2001. cap. 2, p. 13-26.
– GODOY, S.N. 2006. Patologia comparada de passeriformes oriundos do tráfico – implicações na soltura. Tese (Doutorado em Ecologia de Agroecossistemas), Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.
– REDE NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES. Disponível em: <https://www.renctas.org.br/> Acesso em: fev. 2021.
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